quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Num mundo dos royalties onde uns não são mais iguais do que outros

PETRÓLEO
Por Nicholas Maciel Merlone

O novo marco regulatório do petróleo aprovado inicialmente pelo Senado Federal não é inconstitucional, na medida em que reduz a participação dos estados-membros e municípios produtores na divisão dos royalties.
De início, não se trata da repartição de um produto produzido por um determinado estado-membro ou por outro município específico, mas de recursos minerais que são bens da União.
Ademais, os estados-membros e os municípios produtores não sofrem prejuízo com a exploração do petróleo e do gás na plataforma continental, conforme os ensinamentos de Manoel Gonçalves Ferreira Filho: “menos aceitável é que faça jus a uma participação quando a exploração se der na plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, que não integram o território”. (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 1993. V. 1, p. 154.).
A Constituição da República, assim, prevê o Federalismo Cooperativo que possui como um de seus objetivos a concretização da justiça social nos estados-membros. No Federalismo Cooperativo, as esferas de competências se comunicam e se auxiliam reciprocamente. Nesse sentido, Gilberto Bercovici destaca que esse Federalismo se encontra ligado à solidariedade do Estado Social e se evidencia “por realizar a distribuição do produto arrecadado (...) para compensar a fragilidade econômico-financeira dos Estados e Municípios” (BERCOVICI, Gilberto. Constituição e Superação das Desigualdades Regionais. In: Direito Constitucional. Estudos em homenagem a Paulo Bonavides. GRAU, Eros Roberto. GUERRA FILHO, Willis Santiago (Org.) São Paulo: Malheiros, 2001, p. 79-81).
Com efeito, o Brasil elegeu o Federalismo Cooperativo. É o que se depreende da leitura combinada do artigo 3º da Constituição, donde se extrai que assegurar o desenvolvimento nacional e reduzir as desigualdades sociais e regionais é objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, com o artigo 170, VII, da Constituição, que reforça esse objetivo ao dispor que a redução das desigualdades regionais e sociais se trata de um dos princípios da Ordem Econômica. Ademais, temos a competência legislativa concorrente no artigo 23, o repasse de recursos da União para os estados no artigo 157 e destes para os municípios, no artigo 158, III e IV e a existência de diversos fundos de distribuição de receitas entre os entes federados, no artigo 159, I, caracterizando o Federalismo Cooperativo.
Em se tratando da exploração do petróleo e do gás na plataforma continental, os recursos provenientes da exploração não podem ser remetidos somente aos estados-membros e municípios próximos da região, onde se explora o produto. Uma vez que o recurso mineral é da União, seus proveitos devem atingir todos os entes da Federação.
Lembramos, assim, que os estados-membros que compõem a Federação brasileira abrigam a população destinátaria das políticas públicas. De tal sorte, a essa gente aplica-se o princípio da igualdade e, como consequência, àqueles também.
O princípio da igualdade, previsto no caput do artigo 5º, da Constituição, passa a receber novo entedimento segundo a jurisprudência recente do STF (Supremo Tribunal Federal). Deixa de ter sentido meramente formal para obter projeção material.
Nesse sentido, Badin e Prol argumentam: “a Constituição impõe deveres positivos ao Estado brasileiro, que deve efetivar a igualdade na realidade dos fatos. Não basta não discriminá-los na lei. As diferenças “culturais, sociais, econômicas e acidentais” são juridicamente relevantes e podem ser consideradas como critérios distintivos válidos em políticas que objetivem diminuir as injustiças que existem na vida real em sociedade.” (BADIN, Luiz A. ; PROL, Flávio M. O princípio da igualdade na jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal. Princípios Constitucionais. Revista do Advogado. AASP. Ano XXXII. Outubro de 2012. no 117. p. 137).
Então, impõe-se a oportuna recorrência a Eros Grau, que esclarece: “Cuidava-se de uma igualdade à moda do porco de Orwell, no bojo da qual havia – como há – os ‘iguais’ e os ‘mais iguais’. O próprio enunciado do princípio – ‘todos são iguais perante a lei’ – nos dá conta de sua inconsistência, visto que a lei é uma abstração, ao passo que as relações sociais são reais. Daí a tão brusca quanto verdadeira assertiva de Adam Smith: ‘do governo’, o verdadeiro fim é defender os ricos contra os pobres.” (GRAU, Eros R. A Ordem Econômica na Constituição de 1988.São Paulo: Malheiros. 2012, p. 22).
Enquanto isso, na medida em que o artigo 5º, §1º, da Constituição, prescreve que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, o princípio da igualdade se insere neste contexto.
Além disso, em se tratando da aplicação dos recursos dos royalties para suas finalidades sociais e econômicas, há a previsão do artigo 37, da Constituição, donde deve ser respeitada a moralidade administrativa. Não obstante, cumpre destacar a necessária observância da Lei Complementar no 101/2000, a Lei da Responsabilidade Fiscal, bem como da Lei de Acesso à Informação e de toda legislação que se fizer pertinente, com o efetivo Controle da Administração Pública, pelos órgãos competentes, como o Ministério Público, os Tribunais de Contas, o Judiciário e as Audiências Públicas.
Nessa esfera, todo o entendimento da questão deve ser vislumbrado sob a análise do ordenamento jurídico de modo sistemático, considerando-se toda a sua extensão e todas as suas possibilidades.
Dessa forma, considerando a repartição da receita dos royalties, no caso, deve ser levado em conta:
1) os recursos minerais em pauta são de propriedade da União;
2) o petróleo e o gás explorados na plataforma continenal não geram prejuízos aos estados-membros e municípios produtores;
3) o federalismo cooperativo, eleito pela Constituição, legitima a repartição uniforme dos recursos dos royalties;
4) o princípio da igualdade aplicado à população dos estados-membros e dos municípios deve produzir efeito imediato na realidade, uma vez que material;
5) a moralidade administrativa deve ser observada na repatição do royalties para suas finalidades sociais e econômicas, fazendo-se uso dos instrumentos de Controle da Administração Pública.


Daí, conclui-se ser possível além de se mirar nos objetivos da República Federativa Brasileira, previstos no artigo 3º, da Constituição,  buscar o bem comum e a justiça social, ou seja, uma sociedade solidária onde uns não são mais iguais do que outros e onde não há o melhor para todos, mas o essencial perseguindo-se sempre o melhor em justa medida para todos.
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Publicado originalmente no Última Instância - (link)
26 de dezembro de 2012.

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