PETRÓLEO
Por Nicholas Maciel Merlone
O novo
marco regulatório do petróleo aprovado inicialmente pelo Senado Federal não é
inconstitucional, na medida em que reduz a participação dos estados-membros e
municípios produtores na divisão dos royalties.
De início, não se trata da repartição de um produto produzido
por um determinado estado-membro ou por outro município específico, mas de
recursos minerais que são bens da União.
Ademais, os estados-membros e os municípios produtores não
sofrem prejuízo com a exploração do petróleo e do gás na plataforma
continental, conforme os ensinamentos de Manoel Gonçalves Ferreira Filho:
“menos aceitável é que faça jus a uma participação quando a exploração se der
na plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, que não
integram o território”. (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à
Constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 1993. V. 1, p. 154.).
A Constituição da República, assim, prevê o Federalismo
Cooperativo que possui como um de seus objetivos a concretização da justiça
social nos estados-membros. No Federalismo Cooperativo, as esferas de
competências se comunicam e se auxiliam reciprocamente. Nesse sentido, Gilberto
Bercovici destaca que esse Federalismo se encontra ligado à solidariedade do
Estado Social e se evidencia “por realizar a distribuição do produto arrecadado
(...) para compensar a fragilidade econômico-financeira dos Estados e
Municípios” (BERCOVICI, Gilberto. Constituição e Superação das Desigualdades
Regionais. In: Direito Constitucional. Estudos em homenagem a Paulo Bonavides.
GRAU, Eros Roberto. GUERRA FILHO, Willis Santiago (Org.) São Paulo: Malheiros,
2001, p. 79-81).
Com efeito, o Brasil elegeu o Federalismo Cooperativo. É o que
se depreende da leitura combinada do artigo 3º da Constituição, donde se extrai
que assegurar o desenvolvimento nacional e reduzir as desigualdades sociais e
regionais é objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, com o
artigo 170, VII, da Constituição, que reforça esse objetivo ao dispor que a
redução das desigualdades regionais e sociais se trata de um dos princípios da
Ordem Econômica. Ademais, temos a competência legislativa concorrente no artigo
23, o repasse de recursos da União para os estados no artigo 157 e destes para
os municípios, no artigo 158, III e IV e a existência de diversos fundos de
distribuição de receitas entre os entes federados, no artigo 159, I,
caracterizando o Federalismo Cooperativo.
Em se tratando da exploração do petróleo e do gás na plataforma
continental, os recursos provenientes da exploração não podem ser remetidos
somente aos estados-membros e municípios próximos da região, onde se explora o
produto. Uma vez que o recurso mineral é da União, seus proveitos devem atingir
todos os entes da Federação.
Lembramos, assim, que os estados-membros que compõem a Federação
brasileira abrigam a população destinátaria das políticas públicas. De tal
sorte, a essa gente aplica-se o princípio da igualdade e, como consequência,
àqueles também.
O princípio da igualdade, previsto no caput do artigo 5º, da
Constituição, passa a receber novo entedimento segundo a jurisprudência recente
do STF (Supremo Tribunal Federal). Deixa de ter sentido meramente formal para
obter projeção material.
Nesse sentido, Badin e Prol argumentam: “a Constituição impõe
deveres positivos ao Estado brasileiro, que deve efetivar a igualdade na
realidade dos fatos. Não basta não discriminá-los na lei. As diferenças
“culturais, sociais, econômicas e acidentais” são juridicamente relevantes e
podem ser consideradas como critérios distintivos válidos em políticas que
objetivem diminuir as injustiças que existem na vida real em sociedade.”
(BADIN, Luiz A. ; PROL, Flávio M. O princípio da igualdade na jurisprudência
recente do Supremo Tribunal Federal. Princípios Constitucionais. Revista do
Advogado. AASP. Ano XXXII. Outubro de 2012. no 117. p. 137).
Então, impõe-se a oportuna recorrência a Eros Grau, que
esclarece: “Cuidava-se de uma igualdade à moda do porco de Orwell, no bojo da
qual havia – como há – os ‘iguais’ e os ‘mais iguais’. O próprio enunciado do
princípio – ‘todos são iguais perante a lei’ – nos dá conta de sua
inconsistência, visto que a lei é uma abstração, ao passo que as relações
sociais são reais. Daí a tão brusca quanto verdadeira assertiva de Adam Smith:
‘do governo’, o verdadeiro fim é defender os ricos contra os pobres.” (GRAU,
Eros R. A Ordem Econômica na Constituição de 1988.São Paulo: Malheiros. 2012,
p. 22).
Enquanto isso, na medida em que o artigo 5º, §1º, da
Constituição, prescreve que as normas definidoras dos direitos e garantias
fundamentais têm aplicação imediata, o princípio da igualdade se insere neste
contexto.
Além disso, em se tratando da aplicação dos recursos dos
royalties para suas finalidades sociais e econômicas, há a previsão do artigo
37, da Constituição, donde deve ser respeitada a moralidade administrativa. Não
obstante, cumpre destacar a necessária observância da Lei Complementar no
101/2000, a Lei da Responsabilidade Fiscal, bem como da Lei de Acesso à Informação
e de toda legislação que se fizer pertinente, com o efetivo Controle da
Administração Pública, pelos órgãos competentes, como o Ministério Público, os
Tribunais de Contas, o Judiciário e as Audiências Públicas.
Nessa esfera, todo o entendimento da questão deve ser
vislumbrado sob a análise do ordenamento jurídico de modo sistemático,
considerando-se toda a sua extensão e todas as suas possibilidades.
Dessa forma, considerando a repartição da receita dos royalties,
no caso, deve ser levado em conta:
1) os recursos minerais em pauta são de propriedade da União;
2) o petróleo e o gás explorados na plataforma continenal não geram prejuízos
aos estados-membros e municípios produtores;
3) o federalismo cooperativo, eleito pela Constituição, legitima a repartição
uniforme dos recursos dos royalties;
4) o princípio da igualdade aplicado à população dos estados-membros e dos
municípios deve produzir efeito imediato na realidade, uma vez que material;
5) a moralidade administrativa deve ser observada na repatição do royalties
para suas finalidades sociais e econômicas, fazendo-se uso dos instrumentos de
Controle da Administração Pública.
Daí, conclui-se ser possível além de se mirar nos objetivos da
República Federativa Brasileira, previstos no artigo 3º, da Constituição,
buscar o bem comum e a justiça social, ou seja, uma sociedade solidária onde
uns não são mais iguais do que outros e onde não há o melhor para todos, mas o
essencial perseguindo-se sempre o melhor em justa medida para todos.
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Publicado originalmente no Última Instância - (link)
26 de dezembro de 2012.
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