sexta-feira, 7 de junho de 2013

Licença não é necessária para processar Marco Feliciano

DISCRIMINAÇÃO

Por Nicholas Maciel Merlone

Conforme notícia[1] da Agência Brasil, de nove de abril, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, ingressou com uma petição na Suprema Corte reforçando acusações contra o deputado federal e pastor, Marco Feliciano, (PSC-SP) por discriminação. Gurgel foi que encaminhou a denúncia em janeiro pela Procuradoria-Geral da República (PGR), e no momento reafirma a necessidade de o Supremo Tribunal Federal abrir ação penal contra o parlamentar.
Para Gurgel, apesar de as declarações do pastor quanto aos afrodescendentes tenham ficado na “tênue linha que separa a ofensa à raça negra e a liberdade de expressão concernente à interpretação bíblica”, a acusação de discriminação contra homossexuais deve ser mantida.
De acordo com o procurador-geral da República, as palavras de Feliciano induziram à discriminação dos homossexuais por seus seguidores. Segundo a notícia, o deputado é alvo de representação protocolada na PGR por diversos parlamentares ligados a assuntos ligados a direitos humanos. Informa ainda que no último dia 1º de abril, eles pediram apuração sobre possível envolvimento do parlamentar na criação de perfis falsos em redes sociais para divulgar informações falsas.
O procurador-geral ainda rejeita a alegação de imunidade parlamentar para livrar o parlamentar da acusação, uma vez que a opinião do pastor não é relacionada ao exercício da atividade no Congresso Nacional.
Gurgel lembra que a legislação não trata como crime somente a discriminação racial, mas qualquer tipo de discriminação e preconceito.
Além disso, segundo notícia da Rede Brasil Atual[2], do dia 26 de abril, o pastor Feliciano e o deputado Bolsonaro (PP-RJ) teriam feito vários vídeos difamatórios, bem como campanha veiculada na internet contra os deputados Jean Wyllys (PSOL-RJ), Erika Kokay (PT-DF), Domingos Dutra (PT-MA) e, da mesma forma, contra os ativistas Tatiana Lionço e Cristiano Lucas Ferreira, ambos do Distrito Federal.
Segundo consta, em um dos vídeos, Bolsonaro seria responsável pela disseminação da ideia de que deputados a favor da promoção dos direitos da população homossexual são contrários à família.
Consubstanciando-se os fatos descritos às normas, verifica-se que se sedimenta, de início, no artigo 3º, IV, da Constituição, a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e, como dito, frise-se quaisquer outras formas de discriminação. Além disso, está igualmente previsto o crime de calúnia, firmado no artigo 138 e o de difamação, disposto no artigo 139, ambos do Código Penal.
Desse modo, o que se discute, com efeito, trata-se do conflito de dois direitos fundamentais, quais sejam: 1) liberdade de expressão, estabelecido no artigo 5º, IX, da Constituição; e 2) direito à honra, firmado no artigo 5°, X, do mesmo diploma normativo — devendo-se fazer, assim, a ponderação dos dois direitos.
O assunto em questão não se restringe somente ao direito penal, mas se estende para o direito constitucional, particularmente para os direitos fundamentais.
Como visto, o artigo 3º, IV, da Constituição, traz como um de seus objetivos a promoção do bem de todos, vedadas quaisquer formas de discriminação. Por essa razão, em um caso comum já bastaria para prevalecer o direito à honra, em detrimento do direito à liberdade de expressão.
Todavia, o pastor talvez pudesse alegar que estivesse no exercício da função e daí ter direito à imunidade parlamentar. Ora, não é o que se verifica no caso em concreto, uma vez que, com efeito, suas manifestações não ocorreram no exercício da função, uma vez que, sim, em rede social por palavras ofensivas não ligadas ao mandato, mas a valores da sociedade, relacionadas a nenhuma atividade profissional, o que enquadra os fatos nos crimes de calúnia e difamação analisados sob o prisma constitucional.
Michel Temer bem recorda que a inviolabilidade se refere à emissão de opiniões, palavras e votos. E afirma: “Opiniões e palavras que, ditas por qualquer pessoa, podem caracterizar atitude delituosa, mas que assim não se configuram quando pronunciadas por parlamentar. Sempre, porém, quando tal pronunciamento se der no exercício do mandato. Quer dizer: o parlamentar, diante do direito, pode agir como cidadão comum ou como titular de mandato. Agindo na primeira qualidade não é coberto pela inviolabilidade. A inviolabilidade está ligada à ideia de exercício de mandato. Opiniões, palavras e votos proferidos sem nenhuma relação com o desempenho do mandato representativo não são alcançados pela inviolabilidade.”[3]-[4]
O autor adiante lembra que, com a Emenda Constitucional 35/2001, manteve-se a inviolabilidade por opiniões, palavras e votos na esfera penal, ampliando-se também para a civil, além de como bem explicita: “Eliminou-se como se viu a necessidade de licença prévia para processar criminalmente o parlamentar já que não eram poucos os que buscavam mandato parlamentar para obter possível impunidade.”[5]
No contexto, André Franco Montoro, ao tratar do conceito de justiça social, esclarece: “A justiça social não é o conjunto das virtudes, como pretendem alguns autores levados pela denominação clássica de justiça ‘geral’, mas é sua característica orientar ‘todas’ as virtudes para o bem comum.”[6]
Para refletir: “No tocante às transgressões da justiça, a situação é semelhante. O homicídio, a calúnia ou o furto, por exemplo, constituem violações da justiça comutativa — um particular tira de outro um bem pessoal ou patrimonial, mas são, ao mesmo tempo, uma transgressão da justiça social — porque são um atentado contra o bem comum, na medida em que a ordem pública é prejudicada.”[7]
Igualmente nos exemplos de crimes citados pelo autor, inclui-se o crime de difamação, bem como o de calúnia, como citado, que, no caso concreto, caracterizam-se pela real e efetiva discriminação pelo pastor ofensivas não só aos indivíduos e ao grupo social atingido, como também à ordem pública no âmbito da justiça social, que resta prejudicada e transgredida.
A família, na verdade, é um pilar do estado democrático de direito, e deve ser vista de modo humano, plural e diversificado. Lutar pelos seus verdadeiros valores de forma digna é lutar para institucionalizá-los nos aparatos e aparelhos de Estado, fazendo uma transformação da realidade concreta e das estruturas sociais patriarcais. Para tanto, é preciso vencer o preconceito e conviver com o próximo, buscando compreender as diferenças e aprender com as mesmas.
Portanto, no caso em tela, verifica-se que não é necessária licença prévia para processar criminalmente o deputado federal Marco Feliciano.
AGÊNCIA BRASIL. Procurador-geral reforça acusações contra Feliciano por discriminação. 09/04/2013. Disponível em: <http://www.ebc.com.br/noticias/brasil/2013/04/procurador-geral-reforca-acusacoes-contra-feliciano-por-discriminacao>. Acesso em: 29/05/2013.
[1] AGÊNCIA BRASIL. Procurador-geral reforça acusações contra Feliciano por discriminação. 09/04/2013. Disponível em: <http://www.ebc.com.br/noticias/brasil/2013/04/procurador-geral-reforca-acusacoes-contra-feliciano-por-discriminacao>. Acesso em: 29/05/2013.

[2] REDE BRASIL ATUAL. OAB quer punição a Bolsonaro e Feliciano por quebra de decoro parlamentar. 26/04/2013. Disponível em: <http://www.redebrasilatual.com.br/politica/2013/04/oab-quer-punicao-a-bolsonaro-e-feliciano-por-quebra-de-decoro-parlamentar>. Acesso em: 29/05/2013.

[3] TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros. 23ª. ed., 2010, p. 131-132.
[4] Sobre o tema, o autor ainda menciona: “Com efeito, a inviolabilidade parlamentar está absolutamente adstrita ao exercício do mandato. Neste sentido o julgado proferido em grau de habeas corpus, envolvendo a imunidade de vereador, prevista pela Constituição Federal no art. 29, VIII: ‘A verificação da inviolabilidade do vereador, por suas palavras e opiniões consideradas ofensivas, implica detido exame de provas de modo a que se possa concluir que adstritas ao exercício do mandato e na circunscrição municipal, para o quê não é o habeas corpus meio idôneo’ (HC 195.848-3, in RT 664/281).”
[5] Idem., p. 132.
[6] MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais. 26ª. ed., 2005, p. 275.

[7] Idem, p. 276.

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Publicado originalmente no Consultor Jurídico - (link) - 07 de junho de 2013.
Posteriormente, publicado no Carta Forense - (link) - 13 de agosto de 2013.

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