terça-feira, 13 de agosto de 2013

Reflexões sobre a Liberdade de Reunião nas Manifestações de 2013

LIBERDADE DE REUNIÃO

Por Nicholas Maciel Merlone


Nos últimos meses, temos acompanhado as manifestações e passeatas pelo Brasil, como em São Paulo e no Rio de Janeiro, onde se reivindicam direitos e melhores condições sociais e políticas. Os jovens tomam as ruas em protestos pacíficos, mas, por outro lado, existem igualmente aqueles que se aproveitam da situação para exteriorizar o caos, com violência e porte de armas.

De início, cumpre trazer à tona o artigo 5º, XVI, da Constituição da República:
Art. 5º., XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;

Da leitura do artigo, extraímos os requisitos para que tenhamos reuniões legítimas e legais, quais sejam: 1) reuniãopacífica, sem armas; 2) em locais abertos ao público; 3) não necessita de autorização; 4) não deve frustar outra reunião previamente convocada para o mesmo local; 5) é necessário aviso prévio à autoridade competente.

São, desse modo, esses 05 (cinco) os requisitos previstos na Lei Suprema, para que uma reunião possa ocorrer tranquilamente, dentro da textura constitucional.

Nesse sentido, Luís Roberto Barroso, ao tratar das colisões entre normas constitucionais, leciona ser possível a colisão entre a liberdade de reunião e o direito de ir e vir, caso em que cita como exemplo uma passeata que bloqueie integralmente uma via de trânsito essencial. (cf. BARROSO, Luís Roberto. O Novo Direito Constitucional Brasileiro. Contribuições para a Construção Teórica e Prática da Jurisdição Constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Editora Fórum, 1ª. ed., 2ª. reimpressão, 2013, p. 261)

Ora, segundo as lições do autor, basta que uma passeata bloqueie totalmente  o trânsito de uma via essencial, para que seja passível de sofrer restrições. Nessa linha, podemos pensar que quem não pode o menos, não pode o mais, numa reflexão óbvia. Assim, reunir-se portando armas, com fins não pacíficos, configurando atitude mais grave do que a descrita pelo autor, não deve ser admitida, como, de fato, não o é por nossa Constituição Federal de 1988, logo em seu primeiro requisito.

Na mesma esteira, caminha José Afonso da Silva, que, claramente, argumenta: “Há, agora, apenas uma limitação: que a reunião seja sem armas; e uma exigência: que se dê prévio aviso à autoridade. [...] Sem armas significa sem armas brancas ou de fogo, que denotem, a um simples relance de olho, atitudes belicosas ou sediciosas.” (cf. DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 24ª. ed., 2005, p. 265.)

Fica nítido, então, o posicionamento do autor que expressamente dispõe como único limite às manifestações o uso de armas.

Da mesma forma, neste momento, trazemos as lições de José Cretella Jr sobre o assunto, contribuindo para a compreensão do tema de modo fundamental. O autor expõe:
“O animus dos participantes da reunião é importante para o efeito jurídico pretendido [...] Se houver animus bellicusou animus belli, este desnatura a reunião, retirando-lhe o caráter de legal. Mesmo ‘sem armas’, a reunião com intuitos não pacíficos constitui ameaça à ordem pública, sendo, pois, ilegítima. ” (cf. CRETELLA JR., J. Elementos de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 3ª. ed. revista, atualizada e ampliada, 2000, p. 235)

Adiante, Cretella Jr. prossegue com ponderações essenciais acerca do tema, recorrendo, de início, a Pontes de Miranda:
“São tantos os direitos subjetivos e as pretensões à reunião quanto os indivíduos que vão à praça, ou à casa, ou ao pátio, ou campo, ou à praia, para se reunirem. Donde duas consequências: a) o estar armado um, ou alguns deles, faz adormecer, elidir-se, o ‘seu’ direito, não dos outros; b) a ilicitude do fim de um, ou de alguns dos presentes, não se contagia aos fins dos outros. Por isso mesmo, a polícia não pode proibir a reunião, ou fazê-la cessar, pelo fato de um ou alguns dos presentes estarem armados. As medidas policiais são contra os que, por ato seu, perderam o direito a reunirem-se a outros, e não contra os que se acham sem armas. Contra esses, as medidas policiais são contrárias à Constituição e puníveis segundo às leis’ (cf. Pontes de Miranda, Comentários à Constituição de 1969, 3ª. ed. Rio de Janeiro, Forense, v. V, p. 603-604). Sem razão Pontes de Miranda. Tanto assim que, logo depois, em flagrante contradição, escreve: ‘É possível que se formem grupos armados, grupos compactos em que, algum ou alguns, estando armados, a arma ou armas são de todos os do grupo, como unidade ofensiva. Aí, sim, não há direito de reunião quanto a todos os que fazem parte do grupo armado’. Tais considerações, na prática, não funcionam. Se a polícia chegar à reunião e encontrar pessoas armadas – duas, três, quatro – não tem de indagar se se trata de grupo armado ou não. A reunião é ilegal e deve ser dissolvida. A prova serão as armas apreendidas, não interessando a quem pertençam. O poder de polícia, concretizado no organismo policial, pode intervir nas reuniões armadas, mas encontra barreira constitucional diante da ‘reunião, sem armas’. Reunidos pacificamente sem armas, em locais abertos ao público, mesmo sem autorização, cumpridos mais dois requisitos – aviso prévio à autoridade e não coincidência com outra reunião anteriormente convocada para o mesmo lugar – os que se reunem têm garantido seu direito subjetivo público de atender à convocação. E de acorrer ao local.” (cf.  CRETELLA JR., J. Elementos de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 3ª. ed. revista, atualizada e ampliada, 2000, p. 235-236)

No contexto, o presidente da OAB/SP, Marcos da Costa, afirmou: “Numa democracia, a polícia tem de garantir o direito de manifestação. É claro que surgem arruaceiros aproveitadores, provocadores, mas os policiais têm de estar preparados para contê-los, preservando a integridade dos cidadãos que se manifestam pacificamente”. (OAB/SP - Jornal do Advogado – Ano XXXIX – no 385 – Julho – 2013, p. 17)


Todavia, no rumo de Luís Roberto Barroso, José Afonso da Silva e Cretella Jr., reuniões em locais públicos, com uso de armas, ou não, mas com fins não pacíficos, são ilegítimas e ilegais, afrontando a Constituição de 1988, Lei Suprema do ordenamento jurídico, portanto, inconstitucionais, e, além disso, passíveis de dissolução, respeitando-se os direitos humanos de todos os manifestantes efetivamente.

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Publicado originalmente no Carta Forense (link).

13 de agosto de 2013.

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