Por Nicholas Maciel Merlone
Nos últimos meses, temos acompanhado as manifestações e
passeatas pelo Brasil, como em São Paulo e no Rio de Janeiro, onde se
reivindicam direitos e melhores condições sociais e políticas. Os jovens tomam
as ruas em protestos pacíficos, mas, por outro lado, existem igualmente aqueles
que se aproveitam da situação para exteriorizar o caos, com violência e porte
de armas.
De início, cumpre trazer à tona o artigo 5º, XVI, da
Constituição da República:
Art. 5º., XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas,
em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não
frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas
exigido prévio aviso à autoridade competente;
Da leitura do artigo, extraímos os requisitos para que tenhamos
reuniões legítimas e legais, quais sejam: 1) reuniãopacífica, sem armas;
2) em locais abertos ao público; 3) não necessita de autorização; 4) não deve
frustar outra reunião previamente convocada para o mesmo local; 5) é necessário
aviso prévio à autoridade competente.
São, desse modo, esses 05 (cinco) os requisitos previstos na Lei
Suprema, para que uma reunião possa ocorrer tranquilamente, dentro da textura
constitucional.
Nesse sentido, Luís Roberto Barroso, ao tratar das colisões
entre normas constitucionais, leciona ser possível a colisão entre a liberdade
de reunião e o direito de ir e vir, caso em que cita como exemplo uma passeata
que bloqueie integralmente uma via de trânsito essencial. (cf. BARROSO, Luís
Roberto. O Novo Direito Constitucional
Brasileiro. Contribuições para a Construção Teórica e Prática da Jurisdição
Constitucional no Brasil. Belo
Horizonte: Editora Fórum, 1ª. ed., 2ª. reimpressão, 2013, p. 261)
Ora, segundo as lições do autor, basta que uma passeata bloqueie
totalmente o trânsito de uma via essencial, para que seja passível de
sofrer restrições. Nessa linha, podemos pensar que quem não pode o menos, não pode
o mais, numa reflexão óbvia. Assim, reunir-se portando armas, com
fins não pacíficos, configurando atitude mais grave do que a descrita pelo
autor, não deve ser admitida, como, de fato, não o é por nossa Constituição
Federal de 1988, logo em seu primeiro requisito.
Na mesma esteira, caminha José Afonso da Silva, que, claramente,
argumenta: “Há, agora, apenas uma limitação: que a reunião seja sem armas; e uma
exigência: que se dê prévio
aviso à autoridade. [...] Sem
armas significa sem
armas brancas ou de fogo, que denotem, a um simples relance de olho, atitudes
belicosas ou sediciosas.” (cf. DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional
Positivo. São Paulo: Malheiros, 24ª. ed., 2005, p. 265.)
Fica nítido, então, o posicionamento do autor que expressamente
dispõe como único limite às manifestações o uso de armas.
Da mesma forma, neste momento, trazemos as lições de José
Cretella Jr sobre o assunto, contribuindo para a compreensão do tema de modo
fundamental. O autor expõe:
“O animus dos participantes da reunião é importante para o efeito jurídico
pretendido [...] Se houver animus
bellicusou animus
belli, este desnatura a reunião, retirando-lhe o caráter de legal.
Mesmo ‘sem armas’, a reunião com intuitos não pacíficos constitui ameaça à ordem pública,
sendo, pois, ilegítima. ” (cf. CRETELLA JR., J. Elementos de Direito
Constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 3ª. ed.
revista, atualizada e ampliada, 2000, p. 235)
Adiante, Cretella Jr. prossegue com ponderações essenciais
acerca do tema, recorrendo, de início, a Pontes de Miranda:
“São tantos os direitos subjetivos e as pretensões à reunião
quanto os indivíduos que vão à praça, ou à casa, ou ao pátio, ou campo, ou à
praia, para se reunirem. Donde duas consequências: a) o estar armado um, ou
alguns deles, faz adormecer, elidir-se, o ‘seu’ direito, não dos outros; b) a
ilicitude do fim de um, ou de alguns dos presentes, não se contagia aos fins
dos outros. Por isso mesmo, a polícia não pode proibir a reunião, ou fazê-la
cessar, pelo fato de um ou alguns dos presentes estarem armados. As medidas
policiais são contra os que, por ato seu, perderam o direito a reunirem-se a
outros, e não contra os que se acham sem armas. Contra esses, as medidas
policiais são contrárias à Constituição e puníveis segundo às leis’ (cf. Pontes
de Miranda, Comentários à Constituição de
1969, 3ª. ed. Rio de Janeiro, Forense, v. V, p. 603-604). Sem razão
Pontes de Miranda. Tanto assim que, logo depois, em flagrante contradição,
escreve: ‘É possível que se formem grupos
armados, grupos compactos em que, algum ou alguns, estando armados,
a arma ou armas são de
todos os do grupo,
como unidade ofensiva. Aí, sim, não há direito de reunião quanto a todos os que
fazem parte do grupo armado’.
Tais considerações, na prática, não funcionam. Se a polícia chegar à reunião e
encontrar pessoas armadas – duas, três, quatro – não tem de indagar se se trata
de grupo armado ou não. A reunião é ilegal e deve ser
dissolvida. A prova serão as armas apreendidas, não interessando a quem
pertençam. O poder
de polícia, concretizado no organismo
policial, pode intervir nas reuniões armadas, mas encontra barreira
constitucional diante da ‘reunião, sem armas’. Reunidos pacificamente sem
armas, em locais abertos ao público, mesmo sem autorização, cumpridos mais dois
requisitos – aviso prévio à autoridade e não coincidência com outra reunião
anteriormente convocada para o mesmo lugar – os que se reunem têm garantido seu
direito subjetivo público de atender à convocação. E de acorrer ao local.”
(cf. CRETELLA JR., J. Elementos
de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 3ª. ed. revista, atualizada e ampliada, 2000, p. 235-236)
No contexto, o presidente da OAB/SP, Marcos da Costa, afirmou:
“Numa democracia, a polícia tem de garantir o direito de manifestação. É claro
que surgem arruaceiros aproveitadores, provocadores, mas os policiais têm de
estar preparados para contê-los, preservando a integridade dos cidadãos que se
manifestam pacificamente”. (OAB/SP - Jornal do Advogado – Ano XXXIX – no 385 – Julho – 2013, p. 17)
Todavia, no rumo de Luís Roberto Barroso, José Afonso da Silva e
Cretella Jr., reuniões em locais públicos, com uso de armas, ou não, mas com
fins não pacíficos, são ilegítimas e ilegais, afrontando a Constituição de
1988, Lei Suprema do ordenamento jurídico, portanto, inconstitucionais, e, além
disso, passíveis de dissolução, respeitando-se os direitos humanos de todos os
manifestantes efetivamente.
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Publicado originalmente no Carta Forense (link).
13 de agosto de 2013.
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