ENSAIO
Por Nicholas Maciel Merlone
Segundo notícia do Portal G1 (Bom dia Brasil), de 14 de novembro, a Agência
Nacional de Saúde Suplementar (ANS) suspende a venda de 150 planos de saúde.
Conforme veiculado, os planos serão analisados nos próximos três meses pela
agência e somente poderão ter novos clientes quando resolverem os problemas.
Ainda segundo informe da mesma mídia, de 13 de novembro, a ANS suspendeu 700
planos de saúde de 95 operadoras desde 2012. Por fim, conforme notícia do
Portal IG, de 14 de novembro, os planos de saúde acumulam um volume de queixas
que está longe do “razoável”, de acordo com o diretor da ANS.
Com
efeito, não é de hoje que se escutam queixas de Seguradoras de Saúde. Diversos
são os motivos: de cobranças indevidas e reajustes ilegais à falta de
cobertura.
No que
se refere à natureza jurídica da Lei n. 9.656/98 – Lei de Plano Privado de
Assistência à Saúde, Karyna Rocha Mendes (2013, p. 508) argumenta: “esses
contratos sui generis indubitavelmente têm como escopo assegurar o
consumidor contra os riscos relacionados com a saúde e a manutenção da vida.”
Adiante,
a autora (MENDES, 2013, p. 509) reforça sua reflexão: “Concordamos com Maria
Helena Diniz, para quem o contrato de assistência médica não é comutativo, em
que as empresas tenham se obrigado a fazer algo equivalente à contraprestação
do conveniado. É contrato aleatório, na realidade, em que a prestação das
empresas depende de risco futuro e incerto, não podendo antecipar seu montante.
Assim
sendo, os valores constitutivos do contrato de seguro-saúde estão visceralmente
ligados aos princípios constitucionais da proteção à vida (em sentido lato), à
saúde e ao dever do Estado de colocar a dignidade da pessoa humana acima dos
interesses monetários dos empresários do setor.”
Diante
dessa perspectiva, um caminho possível para os problemas que não são poucos
neste setor é sugerido por Carlos Octávio Ocké-Reis (2012, p. 121-123): “A
possibilidade de o interesse público – como preceito normativo da ANS – servir
de eixo organizador para um programa de reforma das operadoras do mercado de
planos pressupõe a superação do pragmatismo da ANS, bem como mudanças no modelo
regulatório de caráter constitucional, confrontando a norma que designa a
assistência à saúde como livre à iniciativa privada.
A
hipótese subjacente reside na percepção de que esse novo quadro institucional
lançaria as bases para a elaboração de um contrato social regulatório visando,
a um só tempo, à aplicação específica do direito de acesso à saúde no mercado à
perspectiva de unicidade do SUS (integrando, de fato, os sistemas público e
privado em um único sistema). [...]
Em
termos mais concretos, a diretoria colegiada da ANS, o Conselho de Saúde
Suplementar (Consu) e o Conselho Nacional de Saúde (CNS) precisariam negociar o
conteúdo, a forma e o ritmo das ações regulatórias, caso se queira suplantar a
já difícil tarefa de parametrizar contratos de direito privado, mas agora também
em direção à salvaguarda do interesse público. De certa forma, esse tipo de
arranjo ficaria favorecido, porque as agências no setor saúde são as únicas em
que o contrato de gestão é mandatário em relação à diretoria colegiada
(Pereira, C., 2004), servindo como mecanismo formal de controle, que acaba por
preservar os interesses do Poder Executivo (Ministério da Saúde) mesmo diante
da independência relativa da ANS.
Igualmente,
as instâncias consultivas da agência reguladora, que funcionam como instâncias
de participação social (a Câmara de Saúde Suplementar, as câmaras técnicas, as
instâncias de consulta, a audiência pública e a ouvidoria) poderiam ser
ampliadas e algumas delas dotadas de poder de decisão [...]. Essas
transformações visariam a fortalecer o controle social sobre a Agência [...] O
projeto político-institucional da ANS, mediado pelo interesse público, passaria
necessariamente pelo debate com a sociedade civil organizada [...].” (Para
saber mais sobre o assunto, ver: Ocké-Reis, Carlos Octávio. SUS o
desafio de ser único. Rio de
Janeiro: Fiocruz, 2012.)
Ocké-Reis
(2012, p. 124) propõe ainda que a ANS conduza uma gestão especializada com a
participação social, incorporando o interesse público nas suas decisões. Para
tanto, indica que seria necessária uma regulamentação da Constituição da
República, guiando o mercado de seguros de saúde, conforme o interesse público
– ou seja, “combinando uma regulação de atividade privada de interesse público
com o regime de concessão de serviços públicos.”
Ocké-Reis
(2012, p. 125) conclui: “Restaria saber ainda, de um lado, em que medida o
Estado detém pré-condições para subordinar o mercado às diretrizes das
políticas de saúde com base no interesse público; de outro, quais seriam os
segmentos privados que aceitariam mais facilmente internalizar esse tipo de
função social requerida àquelas atividades mercantis empreendidas no setor
saúde, sem trocadilho, vitais para a sociedade brasileira.”
Portanto,
percebemos que os planos de saúde lidam com vidas de seres humanos, em que a
dignidade deve ser protegida, enquanto não só princípio fundamental sedimentado
na Constituição de 1988, mas como valor-real que deve ser concretizado na vida
das pessoas. Nesse contexto, para se perseguir esse valor, a saúde deve ser
assegurada. Vale dizer que o mercado não é ignorado pela nossa Lei Suprema, que
o adota enquanto modelo econômico. Porém, a saúde é um bem maior, um patrimônio
pessoal que deve ser constantemente buscado e que, como dito, liga-se
diretamente ao interesse público. De tal sorte, perfeitamente compreensível que
o mercado se adeque às necessidades primordiais da saúde e se altere a
Constituição de 1988, com vistas a tornar o setor privado de saúde
verdadeiramente integrado ao SUS, por meio de concessões.
Referências Bibliográficas
ANS suspende venda de 150 planos de saúde. G1.
Bom dia Brasil. 14/11/2013. <http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2013/11/ans-suspende-150-venda-de-planos-de-saude-veja-lista-completa.html>.
Acesso em: 14/11/2013.
MENDES, Karyna Rocha. Curso de Direito da
Saúde. São Paulo: Saraiva, 2013.
Ocké-Reis, Carlos Octávio. SUS o desafio de
ser único. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2012.
QUAINO, Lilian. ANS suspendeu 700 planos de
saúde de 95 operadoras desde 2012. G1. 13/11/2013. Disponível em:
< http://g1.globo.com/economia/noticia/2013/11/ans-suspendeu-700-planos-de-saude-de-95-operadoras-desde-2012.html>.
Acesso em: 14/11/2013.
SORANO, Vitor. Planos de saúde: volume de queixas
está longe do “razoável”, vê diretor da ANS. IG. 14/11/2013.
Disponível em: < http://economia.ig.com.br/2013-11-14/planos-de-saude-volume-de-queixas-esta-longe-do-razoavel-ve-diretor-da-ans.html>.
Acesso em: 14/11/2013.
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Publicado originalmente no Carta Forense. (link)
19 de novembro de 2013.
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