RÁDIOS COMUNITÁRIAS
Emissoras são de
grande importância para o mundo contemporâneo; em caso de omissão do Poder
Executivo, Justiça deve decidir.
Por Nicholas Maciel Merlone
As leitoras e os leitores do Última
Instância certamente se interessam pelo tema
das rádios comunitárias. Segundo decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça)
a autorização para rádios comunitárias não é de competência do Poder
Judiciário: “Segundo o relator, ministro Humberto Martins não cabe ao
Judiciário entrar na esfera de competência do Poder Executivo. Entretanto,
diante da demora do Executivo para analisar o processo administrativo, o
Judiciário pode estipular um prazo razoável para que o pedido de concessão do
serviço seja apreciado. Como não houve pedido no processo para que o Judiciário
estabelecesse tal prazo, isso não pôde ser feito.” Pretendemos expor, a seguir,
que, em caso de omissão do Poder Executivo, deve caber ao Judiciário autorizar
o funcionamento das rádios comunitárias.
Rádios Comunitárias na América Latina
“A realidade das rádios comunitárias na América Latina, de forma geral,
é bem similar à do Brasil, mas alguns países têm modificado suas leis para que
rádios comunitárias e livres sejam valorizadas como devem ser. A Argentina, por
exemplo, dividiu seu espectro eletromagnético em três partes: emissoras
estatais, emissoras privadas com fins lucrativos (que chamamos de comerciais) e
emissoras privadas sem fins lucrativos. Entre estas, estão as rádios indígenas,
sindicais, de movimentos sociais, rádios livres e comunitárias. O governo
argentino também confere um percentual da publicidade estatal para essas
emissoras. Esse tipo de postura valoriza as rádios livres e comunitárias. O
Chile também aprovou recentemente uma lei que descriminaliza a transmissão de
frequências em baixa potência -- donos de rádios livres não são mais presos,
assim. O Brasil está na contramão dessas iniciativas: precisa acompanhar o
resto da América.” (cf. FRAGA, Isabela. Rádios comunitárias do Brasil pedem
descriminalização de emissoras de baixa potência. Blog Jornalismo das Américas.
01/08/2012.)
Nesse sentido, as rádios comunitárias aumentam consciência de indígenas
e negros em Honduras. Novas emissoras privilegiaram a participação de jovens e
mulheres, desempenhando um trabalho educativo e cultural.
Da importância das Rádios
Comunitárias
Celso Bastos (1997, p. 13) defende: “As rádios comunitárias são uma
exigência do mundo atual. Com efeito, a malha de emissoras de médio ou grande
porte, existente em todo o território nacional, não se presta a servir às
pequenas comunidades do interior ou aos bairros das grandes cidades, com a
mesma eficiência e espírito de atendimento.”
O autor (1997, p. 14), assim, prossegue: “O direito que todos têm de
manifestar-se livremente está intimamente conectado àquele de todos ouvirem o
que desejam e preferem e, mais ainda, o de que necessitam. Daí, decorrem dois
aspectos fundamentais para a compreensão deste pensamento: a) a rádio
comunitária transmite para determinável número de pessoas, circunscrita ao fato
de ser de baixa potência e de nela residir sua especial limitação; b) os
ouvintes desejam ter acesso a informações respeitantes aos seus interesses
peculiares, sempre ligados à sua vida e ao seu ambiente. Nesse sentido, não há
como se sustentar a impossibilidade de que seja plenamente reconhecido o
direito que têm de ter ao seu alcance um veículo que lhes preste um serviço
quase personalizado.”
Finaliza Bastos (1997, p. 15): “Pode-se afirmar, com segurança, que as
rádios comunitárias, hoje, constituem-se em um imperativo social, decorrente da
necessidade de informação, de natureza local e veículo de ordem cultural.”
Já em 1997, antes mesmo da publicação da Lei Federal n. 9.612, de 19 de
fevereiro de 1998, que institui o Serviço de Radiodifusão comunitária, Celso
Bastos apontava a relevância deste serviço social e local, de suma importância
no mundo contemporâneo para o desenvolvimento pleno da liberdade de expressão
de comunidades, com vistas a atender às suas necessidades.
Nessa direção, Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Branco (2010, p.
451) argumentam: “O ser humano se forma no contato com o semelhante,
mostrando-se a liberdade de se comunicar como condição relevante para a própria
higidez psicossocial da pessoa. O direito de se comunicar livremente conecta-se
com a característica da sociabilidade, essencial ao ser humano.” Nota-se da
leitura que a liberdade de expressão é inerente ao ser humano, o que implica a
sua necessidade em se comunicar com o próximo, com destaque para as comunidades
e determinados bairros de cidades grandes, que não raras vezes se veem
afastados do convívio social, haja vista os recentes “rolezinhos”, sem
analisá-los com o devido merecimento, mas apenas indicando o fenômeno.
Direito à Comunicação e Radiodifusão
Sonora na Constituição de 1988
Celso Bastos (1997, p. 16) indica o artigo 5º, incisos IX e XVI, da
Constituição da República, senão vejamos: “IX - é livre a expressão da
atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente
de censura ou licença; [...]
XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o
sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;”
Percebemos, então, argumentos no território constitucional a favor das
rádios comunitárias, como a liberdade de expressão e o acesso à informação.
O artigo 220, da Lei Suprema, por sua vez, frisa – “A manifestação
do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma,
processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta
Constituição.
§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir
embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de
comunicação social, observado o disposto no Art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.”
Dos dispositivos mencionados, Celso Bastos (1997, p. 16) esclarece: “a)
que não se pode impor qualquer restrição à manifestação do pensamento, à
criação, à expressão e à informação, desde que se observe o que a respeito a
Constituição determina. b) É o que prescreve ela? Repetimos: ‘nenhuma lei
conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de
informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social ...’”
Ora, percebemos que o texto constitucional é claro ao dispor que nenhum
veículo de comunicação social poderá sofrer afronta à plena liberdade de
informação jornalística, onde se incluem as rádios comunitárias.
O artigo 223, enquanto isso, prescreve: “Compete ao Poder Executivo
outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de
radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da
complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.”.
Sobre o disposto, Celso Bastos (1997, p. 16) pondera: “Ora, parece que
este dispositivo está a dizer que o Poder Público não se pode furtar à outorga
de ‘concessão, permissão e autorização’ para o serviço de radiodifusão sonora
de som e imagem, com observância daquilo que o constituinte denominou de
“complementaridade de sistemas privado, público e estatal”
Da necessidade de o Poder Judiciário
autorizar o funcionamento das rádios comunitárias
Luís Roberto Barroso (2013, p. 246) argumenta sobre o ativismo judicial:
“o ativismo é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de
interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente,
ele se instala – e este é o caso do Brasil – em situações de retração do Poder
Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade
civil, impedindo que determinadas demandas sociais sejam atendidas de maneira
efetiva.”
Da mesma forma que pode acontecer de o Poder Legislativo se mostrar
omisso em demandas sociais, o Poder Executivo também o pode. Notamos da
reflexão de Celso Bastos que, diante de todos os argumentos expostos, o Poder
Público não pode deixar de autorizar o serviço de radiodifusão, inclusive, das
rádios comunitárias. Uma vez que o Poder Executivo se omite em questão social
relevante, o Poder Judiciário deve atuar proativamente no sentindo de atender
as demandas e os valores firmados na Constituição Brasileira. Não basta apenas
determinar um prazo razoável para que a demanda seja apreciada. Pelo contrário,
é preciso conceder a autorização de funcionamento das rádios
comunitárias, de modo, inclusive, a não interferir na competência de
outro Poder, já que, como sabido, deve existir um equilíbrio entre os Poderes,
onde um fiscaliza o outro, no conhecido sistema de freios e contrapesos (checks
and balances) e, assim, com uma margem um pouco maior de ingerência no Poder
Executivo, o Judiciário, sem violar o princípio da separação dos poderes,
atenderia a fins sedimentados na Constituição e, mais que isso, atenderia
também a uma importante e nobre função social.
Nesse panorama, Hely Lopes Meirelles (1992, p. 132) conceitua ato
administrativo, acrescentando à ideia de ato jurídico o elemento finalidade
pública. Destarte, o ato administrativo deve atender a uma finalidade pública.
Está certo que o artigo 223, da Constituição atribui ao Poder Executivo a
função de autorizar o funcionamento das rádios. Porém, numa interpretação
extensiva e mais abrangente do dispositivo e da própria Lei Fundamental em uma
análise sistematizada, percebemos que, com mira a atender a uma finalidade
pública, enquanto parte integrante do conceito do ato administrativo em sua
origem, ao Poder Público, conforme Bastos argumenta, compete autorizar o
funcionamento das rádios comunitárias e, portanto, na omissão do Executivo, ao
Judiciário cabe atuar no caso, mesmo em se tratando de um ato administrativo
vinculado com pouca margem de atuação do Poder Público, uma vez que subordinado
à norma jurídica, mas, como dito, ainda sim se admite uma margem de
interpretação suficiente para justificar a atuação do Judiciário.
Conclusão
Diante dos argumentos expostos, as rádios comunitárias possuem suma
relevância no mundo contemporâneo, uma vez que não têm fins econômicos, mas,
sim, sociais, e precisam ter autorizado o seu funcionamento, conforme a Constituição
Brasileira determina, bem como o interesse público.
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Publicado originalmente no Última Instância - (link)
21 de janeiro de 2014.
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