terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Judiciário deve autorizar funcionamento de rádios comunitárias

RÁDIOS COMUNITÁRIAS

Emissoras são de grande importância para o mundo contemporâneo; em caso de omissão do Poder Executivo, Justiça deve decidir.

Por Nicholas Maciel Merlone

As leitoras e os leitores do Última Instância certamente se interessam pelo tema das rádios comunitárias. Segundo decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) a autorização para rádios comunitárias não é de competência do Poder Judiciário: “Segundo o relator, ministro Humberto Martins não cabe ao Judiciário entrar na esfera de competência do Poder Executivo. Entretanto, diante da demora do Executivo para analisar o processo administrativo, o Judiciário pode estipular um prazo razoável para que o pedido de concessão do serviço seja apreciado. Como não houve pedido no processo para que o Judiciário estabelecesse tal prazo, isso não pôde ser feito.” Pretendemos expor, a seguir, que, em caso de omissão do Poder Executivo, deve caber ao Judiciário autorizar o funcionamento das rádios comunitárias.
Rádios Comunitárias na América Latina
“A realidade das rádios comunitárias na América Latina, de forma geral, é bem similar à do Brasil, mas alguns países têm modificado suas leis para que rádios comunitárias e livres sejam valorizadas como devem ser. A Argentina, por exemplo, dividiu seu espectro eletromagnético em três partes: emissoras estatais, emissoras privadas com fins lucrativos (que chamamos de comerciais) e emissoras privadas sem fins lucrativos. Entre estas, estão as rádios indígenas, sindicais, de movimentos sociais, rádios livres e comunitárias. O governo argentino também confere um percentual da publicidade estatal para essas emissoras. Esse tipo de postura valoriza as rádios livres e comunitárias. O Chile também aprovou recentemente uma lei que descriminaliza a transmissão de frequências em baixa potência -- donos de rádios livres não são mais presos, assim. O Brasil está na contramão dessas iniciativas: precisa acompanhar o resto da América.” (cf. FRAGA, Isabela. Rádios comunitárias do Brasil pedem descriminalização de emissoras de baixa potência. Blog Jornalismo das Américas. 01/08/2012.)
Nesse sentido, as rádios comunitárias aumentam consciência de indígenas e negros em Honduras. Novas emissoras privilegiaram a participação de jovens e mulheres, desempenhando um trabalho educativo e cultural. 
Da importância das Rádios Comunitárias
Celso Bastos (1997, p. 13) defende: “As rádios comunitárias são uma exigência do mundo atual. Com efeito, a malha de emissoras de médio ou grande porte, existente em todo o território nacional, não se presta a servir às pequenas comunidades do interior ou aos bairros das grandes cidades, com a mesma eficiência e espírito de atendimento.”
O autor (1997, p. 14), assim, prossegue: “O direito que todos têm de manifestar-se livremente está intimamente conectado àquele de todos ouvirem o que desejam e preferem e, mais ainda, o de que necessitam. Daí, decorrem dois aspectos fundamentais para a compreensão deste pensamento: a) a rádio comunitária transmite para determinável número de pessoas, circunscrita ao fato de ser de baixa potência e de nela residir sua especial limitação; b) os ouvintes desejam ter acesso a informações respeitantes aos seus interesses peculiares, sempre ligados à sua vida e ao seu ambiente. Nesse sentido, não há como se sustentar a impossibilidade de que seja plenamente reconhecido o direito que têm de ter ao seu alcance um veículo que lhes preste um serviço quase personalizado.”
Finaliza Bastos (1997, p. 15): “Pode-se afirmar, com segurança, que as rádios comunitárias, hoje, constituem-se em um imperativo social, decorrente da necessidade de informação, de natureza local e veículo de ordem cultural.”
Já em 1997, antes mesmo da publicação da Lei Federal n. 9.612, de 19 de fevereiro de 1998, que institui o Serviço de Radiodifusão comunitária, Celso Bastos apontava a relevância deste serviço social e local, de suma importância no mundo contemporâneo para o desenvolvimento pleno da liberdade de expressão de comunidades, com vistas a atender às suas necessidades.
Nessa direção, Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Branco (2010, p. 451) argumentam:  “O ser humano se forma no contato com o semelhante, mostrando-se a liberdade de se comunicar como condição relevante para a própria higidez psicossocial da pessoa. O direito de se comunicar livremente conecta-se com a característica da sociabilidade, essencial ao ser humano.” Nota-se da leitura que a liberdade de expressão é inerente ao ser humano, o que implica a sua necessidade em se comunicar com o próximo, com destaque para as comunidades e determinados bairros de cidades grandes, que não raras vezes se veem afastados do convívio social, haja vista os recentes “rolezinhos”, sem analisá-los com o devido merecimento, mas apenas indicando o fenômeno.
Direito à Comunicação e Radiodifusão Sonora na Constituição de 1988
Celso Bastos (1997, p. 16) indica o artigo 5º, incisos IX e XVI, da Constituição da República, senão vejamos: “IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; [...]
XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;”
Percebemos, então, argumentos no território constitucional a favor das rádios comunitárias, como a liberdade de expressão e o acesso à informação.
O artigo 220, da Lei Suprema, por sua vez, frisa – “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no Art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.”
Dos dispositivos mencionados, Celso Bastos (1997, p. 16) esclarece: “a) que não se pode impor qualquer restrição à manifestação do pensamento, à criação, à expressão e à informação, desde que se observe o que a respeito a Constituição determina. b) É o que prescreve ela? Repetimos: ‘nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social ...’”
Ora, percebemos que o texto constitucional é claro ao dispor que nenhum veículo de comunicação social poderá sofrer afronta à plena liberdade de informação jornalística, onde se incluem as rádios comunitárias.
O artigo 223, enquanto isso, prescreve: “Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.”.
Sobre o disposto, Celso Bastos (1997, p. 16) pondera: “Ora, parece que este dispositivo está a dizer que o Poder Público não se pode furtar à outorga de ‘concessão, permissão e autorização’ para o serviço de radiodifusão sonora de som e imagem, com observância daquilo que o constituinte denominou de “complementaridade de sistemas privado, público e estatal”
Da necessidade de o Poder Judiciário autorizar o funcionamento das rádios comunitárias
Luís Roberto Barroso (2013, p. 246) argumenta sobre o ativismo judicial: “o ativismo é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente, ele se instala – e este é o caso do Brasil – em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que determinadas demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva.”
Da mesma forma que pode acontecer de o Poder Legislativo se mostrar omisso em demandas sociais, o Poder Executivo também o pode. Notamos da reflexão de Celso Bastos que, diante de todos os argumentos expostos, o Poder Público não pode deixar de autorizar o serviço de radiodifusão, inclusive, das rádios comunitárias. Uma vez que o Poder Executivo se omite em questão social relevante, o Poder Judiciário deve atuar proativamente no sentindo de atender as demandas e os valores firmados na Constituição Brasileira. Não basta apenas determinar um prazo razoável para que a demanda seja apreciada. Pelo contrário, é preciso conceder a autorização de funcionamento das rádios comunitárias,  de modo, inclusive, a não interferir na competência de outro Poder, já que, como sabido, deve existir um equilíbrio entre os Poderes, onde um fiscaliza o outro, no conhecido sistema de freios e contrapesos (checks and balances) e, assim, com uma margem um pouco maior de ingerência no Poder Executivo, o Judiciário, sem violar o princípio da separação dos poderes, atenderia a fins sedimentados na Constituição e, mais que isso, atenderia também a uma importante e nobre função social.
Nesse panorama, Hely Lopes Meirelles (1992, p. 132) conceitua ato administrativo, acrescentando à ideia de ato jurídico o elemento finalidade pública. Destarte, o ato administrativo deve atender a uma finalidade pública. Está certo que o artigo 223, da Constituição atribui ao Poder Executivo a função de autorizar o funcionamento das rádios. Porém, numa interpretação extensiva e mais abrangente do dispositivo e da própria Lei Fundamental em uma análise sistematizada, percebemos que, com mira a atender a uma finalidade pública, enquanto parte integrante do conceito do ato administrativo em sua origem, ao Poder Público, conforme Bastos argumenta, compete autorizar o funcionamento das rádios comunitárias e, portanto, na omissão do Executivo, ao Judiciário cabe atuar no caso, mesmo em se tratando de um ato administrativo vinculado com pouca margem de atuação do Poder Público, uma vez que subordinado à norma jurídica, mas, como dito, ainda sim se admite uma margem de interpretação suficiente para justificar a atuação do Judiciário.
Conclusão

Diante dos argumentos expostos, as rádios comunitárias possuem suma relevância no mundo contemporâneo, uma vez que não têm fins econômicos, mas, sim, sociais, e precisam ter autorizado o seu funcionamento, conforme a Constituição Brasileira determina, bem como o interesse público.

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Publicado originalmente no Última Instância - (link)
21 de janeiro de 2014.

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