domingo, 23 de março de 2014

Políticas públicas para a inclusão social da pessoa com deficiência

INCLUSÃO SOCIAL 

Por Nicholas Maciel  Merlone



A cidadania se encontra firmada logo no artigo 1º, inciso II, da Constituição Federal de 1988. Mas como concretizar este fundamento da República brasileira? Por quais instrumentos jurídicos? Enfim, como tirá-lo do papel? O evento O Direito e as Políticas Públicas no Brasil, organizado pelo Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico, realizado na Universidade Presbiteriana Mackenzie, nos dias 17 e 18 de março, procurou responder a essas perguntas, levantadas de início pelo palestrante que inaugurou os trabalhos noturnos do primeiro dia, o coordenador e professor do programa de pós-graduação em direito, Gianpaolo Poggio Smanio. Veremos neste estudo, mais especificamente, o papel das políticas públicas com o intuito de inclusão social dos deficientes (Relacionado ao tema, confira: GARCIA, Rebeca. A inclusão da pessoa com deficiência: aplicabilidade das ações afirmativas para a extinção de barreiras histórico-culturais. In:  SMANIO, Gianpaolo; e BERTOLIN, Patrícia (Orgs.). O Direito e as Políticas Públicas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2013.).
Maria Paula Dallari Bucci, professora da pós-graduação em direito do Mackenzie, autora, dentre outras obras, da pesquisa Fundamentos para Teoria Jurídica das Políticas Públicas, de 2013, fruto de sua defesa de Livre-Docência em Direito pela USP, realizou a abertura do evento pela manhã no primeiro dia, destacando, dentre outros pontos, a importância de encarar o Direito como Ciência Social Aplicada, de modo que as políticas públicas sirvam como instrumentos de efetivação da cidadania.
A palestrante ressaltou a relevância de enxergar o Direito com uma abordagem abrangente em relação a outros campos do conhecimento, devendo-se, assim, estudar outras áreas, como Processo Civil, Penal e Constitucional. Nas aulas do mestrado, lembro ainda de termos estudado noções de outras disciplinas não jurídicas, como administração pública, o que, com certeza, contribui para a compreensão das políticas públicas.
Importa salientar o que a palestrante frisou sobre o papel criador do Direito. Ou seja, o papel que lhe cabe de influir como a lei deve ser feita, atuando antes da lei, o que demanda criatividade e originalidade por parte de seus operadores. Porém, por outro lado, afirma que no contexto faltam bons instrumentos jurídicos para tal desiderato.
Gianpaolo Smanio, por sua vez, destacou a função de intermediação de conflitos da Constituição da República Federativa Brasileira de 1988. Numa realidade plural onde vivemos, onde existem questionamentos e onde há inconformismo, o Texto Magno assume o papel de vetor de transformação, precisando ser efetivamente instrumentalizado na prática.
No primeiro dia à noite, a deputada federal, Mara Gabrilli, discorreu sobre os direitos dos deficientes, bem como de sua inclusão social. Dentre casos práticos e apontamentos sobre o projeto da Lei Brasileira de Inclusão, que tramita há 13 anos no Legislativo, e traz importantes inovações para a realidade dos deficientes.
A deputada abordou ainda a dificuldade de uma realidade: a exclusão das pessoas com deficiência do mercado de trabalho. A Lei Federal n. 8.213/91, em seu artigo 93 (lei de cotas), foi criada mais de vinte anos atrás, estipulando a contratação de 2 a 5% de pessoas com deficiência pelas empresas com mais de 100 empregados. Sua efetiva aplicação sofre resistências, por causa do preconceito existente atualmente (Sobre o assunto, confira: Senador Paulo Paim. Pessoas com deficiência: sim à lei de cotas. Jornal do Brasil. 17/03/2014).
Além disso, Grabrilli frisou muito a questão da acessibilidade dos deficientes, destacando que não se trata de uma matéria obrigatória nas faculdades de arquitetura e engenharia do país, e exemplificou que, em alguns casos, os deficientes mal conseguem sair de casa porque a via pública é inadequada logo na porta de sua residência. Igualmente, levantou os casos de dificuldade de acesso aos transportes públicos pelos deficientes, que não raro enfrentam problemas para conseguir um ônibus nas cidades.
Desse modo, em se tratando de acessibilidade, segundo Alessandro Feijó, ao abordar esse direito, para se “ter e ser uma cidade inclusiva, um ambiente urbano inclusivo, passa necessariamente pela ideia de uma cidade e para todos, independentemente do tipo de deficiência, exigindo uma nova concepção de viver socialmente, sem segregação, sem barreiras. Por isso, a compreensão do que seja acessibilidade auxiliará na concretização dos direitos a ela vinculados, alterando o pensamento de que acessibilidade é simplesmente a construção de rampas. O direito constitucional de acessibilidade é, antes de tudo, a materialização do direito constitucional de igualdade. Este deve ser total e atingir a todos os cidadãos.” (cf. Alessandro Feijó. A acessibilidade como instrumento da sustentabilidade nas cidades inclusivas. Revista Brasileira de Direito Municipal - RBDM. Ano 14. N. 50. outubro / dezembro 2013. Belo Horizonte: Fórum, 2005. pp. 17-18).
E conclui: “adverte-se que acessibilidade não se resume ao direito locomoção independente, apesar de assim transparecer, mas também envolve o direito à informação. Portanto, permitir à pessoa com deficiência exercer plenamente sua cidadania implica fazer cumprir os direitos fundamentais já reconhecidos. O espaço concreto do município é o cenário onde se desenvolve esta ação. Programar e aplicar medidas de acessibilidade, no espaço urbano, democratizando seu uso possibilita que os ambientes se tornem disponíveis a todos”. (Ibid., p. 21)
Nesse panorama, é preciso criar políticas públicas de inclusão para os deficientes, como no que tange à acessibilidade. Torná-la uma disciplina obrigatória nos cursos de arquitetura e engenharia talvez fosse um começo, assim como o estudo de doenças raras pelas faculdades de medicina, já que afligem parte da população e parece não haver interesse em estudá-las.
Outras medidas devem ser implementadas, não se limitando à construção de rampas como o autor frisa. É preciso se mudar uma cultura arraigada na sociedade do preconceito e da intolerância, alterando as estruturas sociais, para que a população possa conviver em harmonia, com respeito ao próximo. Nesse sentido, políticas públicas de conscientização são necessárias, bem como na educação de crianças, jovens e adultos. O ensino de música, por exemplo, pode ter resultados fantásticos, transformando a percepção de mundo dos jovens e dando-lhes uma oportunidade, haja vista as orquestras de músicas clássicas que são promovidas em comunidades carentes.
Com redação dada pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010, o art. 227,  II,  da CF/88. dispõe que deve ocorrer a criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação.
No contexto, destaca-se a função institucional do Ministério Público de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia, nos termos do art. 129, II, da CF/88, de onde se extrai a capacidade fiscalizatória do Ministério Público com relação aos direitos dos deficientes a serem implementados pelo Poder Público.
Antes de finalizar, oportuno citar Norberto Bobbio. O autor argumenta que, atualmente, a meta que devemos buscar é a efetivação dos direitos existentes, justamente com base nos seus fundamentos. Assim, o século XX foi a época de reconhecimento desses direitos, enquanto o século XXI trata-se do tempo de concretizá-los na realidade. (BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 4ª reimpressão, Trad. Carlos Nelson Coutinho,. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 24).

Portanto, partindo da cidadania, enquanto fundamento da República brasileira, uma forma de instrumentalizá-la, no caso do direito à inclusão dos deficientes, ocorre por meio das políticas públicas. No contexto, o Poder Público e a sociedade devem atuar conjuntamente, perseguindo o bem comum, isto é, a convivência harmoniosa da população brasileira, sem preconceitos e discriminações, mas sempre procurando compreender o próximo.
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Publicado originalmente no Última Instância (link).
23 de março de 2014.

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