Por Nicholas Maciel Merlone
Em 28 de fevereiro, foi noticiado no Portal Terra - Grupo
de professores considera ECA 'excessivamente liberal'. A própria
reportagem aponta que resultados preliminares de pesquisa da USP revelam
desconhecimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Com efeito, é o
que se verifica e caminha em sentido contrário ao que todo o ordenamento
jurídico brasileiro evidencia.
Nossa Constituição Federal de 1988, a legislação inerente ao
tema (ECA), o Supremo Tribunal de Justiça (STF) e a doutrina pátria se
posicionam da mesma forma em relação à proteção integral que a criança e o
adolescente devem receber do Estado, da sociedade e da Família, para o
desenvolvimento de todas as suas capacidades.
Com a redação
da EC 65/2010, o artigo
227, da Constituição Brasileira, dispõe:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida,
à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura,
à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.”
A Lei n. 8.069 de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o
Estatuto da Criança e do Adolescente, prescreve logo em seu artigo 3º:
“A criança e o adolescente gozam de todos os direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de
que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as
oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico,
mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.”
Percebemos com a leitura a preocupação do diploma legal com a
proteção integral da criança e do adolescente para o desenvolvimento de todas
as suas potencialidades com relação à liberdade e dignidade, uma vez que assegurados
seus direitos fundamentais.
Nesse sentido, o STF firma sua posição:
“[...] O objetivo maior da Lei 8.069/1990 é a proteção integral
à criança e ao adolescente, aí compreendida a participação na vida familiar e
comunitária. [..]”(HC 98.518, Rel. Min. Eros
Grau, julgamento em 25-5-2010, Segunda Turma, DJE de
18-6-2010.) “É preciso assinalar, neste ponto, por relevante, que a proteção
aos direitos da criança e do adolescente (CF, art. 227, caput)
– qualifica-se como um dos direitos sociais mais expressivos, [...], cujo
adimplemento impõe ao Poder Público a satisfação de um dever de prestação
positiva, [...] o STF, considerada a dimensão política da jurisdição
constitucional outorgada a esta Corte, não pode demitir-se do gravíssimo
encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais, que se identificam
– enquanto direitos de segunda geração – com as liberdades positivas, reais ou
concretas (RTJ 164/158-161, Rel. Min. Celso de Mello).
Podemos igualmente notar que o STF, guardião da Constituição da
República de 1988, assume o papel de proteção integral dos direitos
fundamentais da criança e do adolescente.
Na mesma direção, Alexandre de Moraes leciona sobre o tema: “O
Estado, no cumprimento de sua obrigação constitucional, promoverá programas de
assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a
participação de entidades não governamentais e obedecendo aos seguintes
preceitos: aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na
assistência materno-infantil; criação de programas de prevenção e atendimento
especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental,
bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de
deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a
facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de
preconceitos e obstáculos arquitetônicos.” (MORAES, Alexandre de, Direito Constitucional.
27ª. edição. São Paulo: Atlas, 2011. p. 877)
José Afonso da Silva, do mesmo modo, pondera sobre o assunto:
“Essa família, que recebe a proteção estatal, não tem só direitos. Tem o grave
dever, juntamente com a sociedade e o Estado, de assegurar, com absoluta
prioridade, os direitos fundamentais da criança e do adolescente [,,,]” (SILVA,
José Afonso da. Curso
de Direito Constitucional Positivo. 24ª. edição. São Paulo:
Malheiros, 2005, p. 849)
Portanto, diante do exposto, verifica-se que a criança e o
adolescente merecem de fato a proteção integral do Estado, da sociedade e da
Família, para o desenvolvimento de todas as suas capacidades e potencialidades,
enquanto direitos fundamentais garantidos pela Constituição e a Lei Federal, o
seu Estatuto protetivo. Não se trata de considerar este último excessivamente
liberal, uma vez que as necessidades latentes sociais e econômicas da criança e
dos adolescentes exigem sua tutela. Políticas Públicas adequadas com a
participação da comunidade podem senão evitar, ao menos reduzir, os problemas
que possam surgir. O Estatuto da Criança e do Adolescente é um diploma
normativo avançado e para produzir efeitos precisa ser de fato aplicado em
conjunto com a Constituição de 1988. O que se apresenta, assim, não se trata de
um problema normativo, mas cultural, que precisa ser modificado, a partir de
uma melhor compreensão do assunto. Importa salientar, por fim, nesse panorama, o
papel dos professores que precisam lecionar procurando envolver os alunos com
suas atividades educacionais, instigando-os com as questões levantadas,
tornando-os sempre críticos, questionadores e construtores ativos de nossa História.
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Publicado originalmente na Carta Forense - (link)
07 de março de 2014.
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