DIREITO À PROPRIEDADE
Por Nicholas Maciel Merlone
Quando caminhamos pelo centro de grandes metrópoles, como o
de São Paulo ou do Rio de Janeiro, deparamo-nos com moradores sem teto vivendo
pelas ruas ou em imóveis e prédios ocupados em condições precárias. Nesse
cenário, o direito a condições dignas de vida, com o acesso à moradia, salta à
vista, remetendo ao direito à propriedade.
Segundo notícia da Rede Brasil Atual, a
Secretaria Municipal de Habitação de São Paulo (Sehab) desapropriará 24 prédios
privados no centro de São Paulo para fazer programas habitacionais. Dentre os
imóveis ocupados por movimentos sociais, entre 4 mil e 4,5 mil famílias os
residem, sendo que serão atendidas com prioridade nos projetos. Vale lembrar,
no contexto, que há imóveis públicos ocupados pelos moradores dos movimentos
sociais.
Os 24 prédios privados passam por
vistorias para que se cheque a viabilidade para projetos habitacionais ou de uso
social. A notícia informa que todos serão declarados, através de decreto, como
áreas de interesse social. Para a secretaria, espera-se que a maioria dos
imóveis seja inclusa nos programas habitacionais.
Tendo isso em vista, caminhando rumo ao
artigo 182, da Constituição, que prescreve que a política de desenvolvimento
urbano, executada pelo Poder Público municipal, ocorre por diretrizes gerais
fixadas em lei, e tem por objetivo: ordenar o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade; e garantir o bem- estar de seus habitantes.
Fica evidente, assim, que a função
social da propriedade deve ser considerada quando tratamos do direito à
moradia, bem como que o bem-estar da população nas cidades deve ser assegurado.
Neste ponto, todavia, vale atentar para
o disposto no artigo 183, parágrafo 3º que prevê: “Os imóveis públicos não
serão adquiridos por usucapião.” De modo que os imóveis e bens dos entes
políticos federativos (União, Estados, DF e Municípios) não se encontram
sujeitos ao usucapião especial urbano ou rural.
No entanto, retornando ao artigo 5º,
XXIV, da Lei Suprema, está sedimentado que a lei estabelecerá o procedimento
para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse
social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos
previstos nesta Constituição, o que fundamenta a desapropriação dos bens
imóveis privados, como já mencionado, por motivo de interesse público, qual
seja: garantir moradia em condições dignas para as famílias de moradores sem teto.
Além disso, Haddad disse que a
prefeitura investirá R$ 300 milhões até o final deste ano para desapropriar
áreas no município que serão utilizadas nos projetos para as 55 mil moradias
prometidas em sua campanha eleitoral. O prefeito, da mesma forma, indica como
uma de suas metas para a habitação “repovoar” o centro.
Em seguida, temos o projeto de Parceria
público-privada (PPP) capitaneado pelo governo estadual com participação da
prefeitura, do governo federal e da iniciativa privada, que prevê a construção
de 20,2 mil unidades habitacionais no centro de São Paulo, destina hoje 2 mil
unidades para atender aos movimentos de moradia.
O custo estimado é de R$ 4,6 bilhões, e
se prevê a construção de 12,5 mil unidades para famílias com até R$ 3,7 mil de
renda mensal e outras 7,7 mil unidades para famílias com renda de R$ 3,7 mil a
R$ 10 mil. Prevê-se finalizar o processo de licitação em novembro deste ano e a
entrega dos apartamentos, entre dois e seis anos após o início das obras.
A iniciativa local do prefeito de São
Paulo é bem vinda, mas, além disso, a atuação cooperativa entre os entes
políticos, em conjunto com a iniciativa privada é, da mesma forma, proveitosa,
quando se age de forma articulada e coordenada nas três esferas federativas.
Nesse sentido, a Lei 10.257/2001, o
Estatuto da Cidade, faz-se imprescindível para a compreensão do tema.
Logo em seu artigo 1o, parágrafo único,
está elencado que o Estatuto da Cidade firma normas de ordem pública e
interesse social que regulam o uso da propriedade urbana para o bem coletivo,
da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.
O seu artigo 2o dispõe sobre o objetivo
da política urbana, qual seja: ordenar o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante diretrizes gerais, dentre
as quais cumpre destacar:
“III – cooperação entre os governos, a
iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização,
em atendimento ao interesse social;”
Igualmente, com fulcro no artigo 3o, III,
compete à União: “promover, por iniciativa própria e em conjunto com os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios, programas de construção de
moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico.”
A análise de todos os dispositivos mencionados
do Estatuto da Cidade permite-nos concluir que visando o bem comum da
coletividade, do meio ambiente e da cidade, para atender a função social da
propriedade, o governo deve agir articulada e coordenadamente nas três esferas
federativas, como dito, com o apoio da iniciativa privada, conforme se verifica
no caso da PPP citada, bem como igualmente com o apoio da sociedade que pode
ocorrer, como exemplo, no auxílio da construção das suas próprias moradias.
Finalmente, para que os moradores de rua
possuam condições dignas de vida e direito garantido à moradia, é preciso
proteger o direito à propriedade estendendo-o àqueles menos privilegiados. A
atuação conjunta dos entes federativos, em colaboração com a iniciativa
privada, deve ser estimulada, bem como a maior participação da sociedade nas
questões atinentes. Fora isso, esperemos que se concretizem as iniciativas do
Município, do Estado e da União.
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Publicado originalmente no Consultor Jurídico (Conjur) - (link)
12 de maio de 2013.
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