domingo, 12 de maio de 2013

Direito à propriedade para moradores sem teto

DIREITO À PROPRIEDADE

Por Nicholas Maciel Merlone


Quando caminhamos pelo centro de grandes metrópoles, como o de São Paulo ou do Rio de Janeiro, deparamo-nos com moradores sem teto vivendo pelas ruas ou em imóveis e prédios ocupados em condições precárias. Nesse cenário, o direito a condições dignas de vida, com o acesso à moradia, salta à vista, remetendo ao direito à propriedade.

Segundo notícia da Rede Brasil Atual, a Secretaria Municipal de Habitação de São Paulo (Sehab) desapropriará 24 prédios privados no centro de São Paulo para fazer programas habitacionais. Dentre os imóveis ocupados por movimentos sociais, entre 4 mil e 4,5 mil famílias os residem, sendo que serão atendidas com prioridade nos projetos. Vale lembrar, no contexto, que há imóveis públicos ocupados pelos moradores dos movimentos sociais.
Os 24 prédios privados passam por vistorias para que se cheque a viabilidade para projetos habitacionais ou de uso social. A notícia informa que todos serão declarados, através de decreto, como áreas de interesse social. Para a secretaria, espera-se que a maioria dos imóveis seja inclusa nos programas habitacionais.
Tendo isso em vista, caminhando rumo ao artigo 182, da Constituição, que prescreve que a política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, ocorre por diretrizes gerais fixadas em lei, e tem por objetivo: ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade; e garantir o bem- estar de seus habitantes.
Fica evidente, assim, que a função social da propriedade deve ser considerada quando tratamos do direito à moradia, bem como que o bem-estar da população nas cidades deve ser assegurado.
Neste ponto, todavia, vale atentar para o disposto no artigo 183, parágrafo 3º que prevê: “Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.” De modo que os imóveis e bens dos entes políticos federativos (União, Estados, DF e Municípios) não se encontram sujeitos ao usucapião especial urbano ou rural.
No entanto, retornando ao artigo 5º, XXIV, da Lei Suprema, está sedimentado que a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição, o que fundamenta a desapropriação dos bens imóveis privados, como já mencionado, por motivo de interesse público, qual seja: garantir moradia em condições dignas para as famílias de moradores sem teto.
Além disso, Haddad disse que a prefeitura investirá R$ 300 milhões até o final deste ano para desapropriar áreas no município que serão utilizadas nos projetos para as 55 mil moradias prometidas em sua campanha eleitoral. O prefeito, da mesma forma, indica como uma de suas metas para a habitação “repovoar” o centro.
Em seguida, temos o projeto de Parceria público-privada (PPP) capitaneado pelo governo estadual com participação da prefeitura, do governo federal e da iniciativa privada, que prevê a construção de 20,2 mil unidades habitacionais no centro de São Paulo, destina hoje 2 mil unidades para atender aos movimentos de moradia.
O custo estimado é de R$ 4,6 bilhões, e se prevê a construção de 12,5 mil unidades para famílias com até R$ 3,7 mil de renda mensal e outras 7,7 mil unidades para famílias com renda de R$ 3,7 mil a R$ 10 mil. Prevê-se finalizar o processo de licitação em novembro deste ano e a entrega dos apartamentos, entre dois e seis anos após o início das obras.
A iniciativa local do prefeito de São Paulo é bem vinda, mas, além disso, a atuação cooperativa entre os entes políticos, em conjunto com a iniciativa privada é, da mesma forma, proveitosa, quando se age de forma articulada e coordenada nas três esferas federativas.
Nesse sentido, a Lei 10.257/2001, o Estatuto da Cidade, faz-se imprescindível para a compreensão do tema.
Logo em seu artigo 1o, parágrafo único, está elencado que o Estatuto da Cidade firma normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana para o bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.
O seu artigo 2o dispõe sobre o objetivo da política urbana, qual seja: ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante diretrizes gerais, dentre as quais cumpre destacar:
“III – cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social;”
Igualmente, com fulcro no artigo 3o, III, compete à União: “promover, por iniciativa própria e em conjunto com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico.”
A análise de todos os dispositivos mencionados do Estatuto da Cidade permite-nos concluir que visando o bem comum da coletividade, do meio ambiente e da cidade, para atender a função social da propriedade, o governo deve agir articulada e coordenadamente nas três esferas federativas, como dito, com o apoio da iniciativa privada, conforme se verifica no caso da PPP citada, bem como igualmente com o apoio da sociedade que pode ocorrer, como exemplo, no auxílio da construção das suas próprias moradias.

Finalmente, para que os moradores de rua possuam condições dignas de vida e direito garantido à moradia, é preciso proteger o direito à propriedade estendendo-o àqueles menos privilegiados. A atuação conjunta dos entes federativos, em colaboração com a iniciativa privada, deve ser estimulada, bem como a maior participação da sociedade nas questões atinentes. Fora isso, esperemos que se concretizem as iniciativas do Município, do Estado e da União.
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Publicado originalmente no Consultor Jurídico (Conjur) - (link)
12 de maio de 2013.

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