Por Nicholas Maciel Merlone
Temos visto nas últimas semanas o embróglio entre a OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo) e a Bienal de São Paulo, no que tange as obras de Gil Vicente. A OAB requereu inicialmente que se retirasse a série de quadros “Inimigos” do artista por considerar a ocorrência de “Apologia ao Crime”, nos termos do artigo 287 previsto no Código Penal, uma vez que há nos quadros retratos de personalidades como FHC e Lula sendo ameaçados com revólver e faca, respectivamente, pelo pintor. Tendo a Bienal se negado, a OAB recorreu ao MP (Ministério Público). No contexto, cabe analisarmos a questão da liberdade de expressão artística e da Paz Social.
A OAB afirmou que “certamente não se pode impedir que uma obra seja criada, mas se deve impedir que seja exposta à sociedade em espaço público se tal obra afronta a paz social, o estado de direito e a democracia, principalmente quando pela obra, em tese, se faz apologia de crime.”
Por outro lado, Ruy Barbosa já dizia que “não se pode viver dentro da civilização e fora da arte”, o que demonstra a preocupação com a necessidade da última para melhor a primeira compreender e nela se inserir, enquanto seres humanos e cidadãos críticos e conscientes no mundo atual com diversos desafios político-econômico-sociais e culturais.
Mencionando alguns nomes, temos o artista espanhol Pablo Picasso, que em seu quadro Guernica faz referência a Guerra Civil Espanhola, culminando na ditadura de Francisco Franco. Outro seria o libertino escritor francês Marquês de Sade, autor por exemplo de 120 dias de sodoma, obra em que nobres abusavam de crianças raptadas em um castelo. O primeiro trata-se de um exemplo claro de manifestação política muito conhecido, enquanto o segundo, embora de tema polêmico, um clássico da literatura universal.
O artigo 5º, IX da Constituição da República traz disposto ser “livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Contudo, sabemos que os direitos fundamentais não são absolutos, tendo limites.
Dessa forma, prevê o artigo 220, parágrafo 3º da Carta Política que compete a lei federal:
"I - regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada;"
Segundo José Afonso da Silva, ao mencionar Jean Rivero, os espetáculos envolvem “criação artístistica, que traduz certa visão do homem e da vida, uma estética ou mesmo uma opção política”. (da Silva, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24ª. ed. Malheiros. p. 254)
O inciso I possui natureza classificatória e da menção acima percebemos, como sabemos, ser possível que por meio de uma criação artística, manifeste-se um ponto de vista político.
Dessa forma, acredito existir na realidade um conflinto aparente entre a liberdade artística de Gil Vicente e a Paz Social, uma vez que bastaria se imporem as restrições do artigo 220, parágrafo 3º, I da Constituição da República, para não ferir nenhum dos direitos.
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Publicado originalmente no Última Instância (link).
22 de setembro de 2010.
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