CULTURA BRASILEIRA
Por Nicholas Maciel Merlone
A Época publicou uma matéria da jornalista
Eliane Brum, intitulada “Bebês Censurados”. No artigo, a autora relata, num
primeiro momento, que uma amiga, defensora dos direitos da criança e do
adolescente, mais de uma vez premiada por seu trabalho, teve a foto do banho de
seu bebê no álbum de fotografias do Hotmail confundida com pedofilia pela
Microsoft, que exigiu automaticamente sua retirada imediata, sob pena de
banimento.
Em seguida, conta um caso muito
comentado ultimamente, o da jornalista Kalu Brum, que teria tido a foto em que
amamenta seu filho censurada pelo Facebook. Assim, o episódio levou a mãe a
propor que, até o dia 20 de maio próximo, as mulheres coloquem fotos em que
estejam amamentando seus bebês no perfil da rede, e os homens a substituí-las
pelas das mães de seus filhos.
Eliane Brum faz a aparentemente óbvia e
simples, mas importante constantação de que confundir as coisas na rede parece
algo muito perigoso, afirmando que se tratarmos da mesma forma uma mãe
amamentando seu filho e um ato de pedofilia, em breve não os distiguiremos. E,
não os distinguindo, não teríamos como prevenir e punir o crime.
Ademais, frisa que, enquanto o Estado
nos trata como cidadãos, isto é, pessoas titulares do direito de votar e ser
votadas, influenciando, assim, na esfera pública e, da mesma forma, possuindo
direitos, garantias e deveres; na internet seríamos tratados como clientes, em
um ambiente dominado por uma espécie de polícia transnacional, virtual e
privada.
Desse modo, estaríamos submetidos sob
suas leis, que, segundo a jornalista, confudem banho e amamentação de bebê com
pedofilia, punindo-se uma jornalista protetora dos direitos da criança e do
adolescente e uma mãe carinhosa.
Atualmente, como a própria autora da
matéria explica, estar nas redes talvez não seja uma opção como parece, uma vez
que são ambientes onde trocamos mensagens com pessoas do nosso círculo pessoal
e profissional. E, assim, as duas mães tiveram de retirar as fotos e se
sujeitar a desmedida imposição.
O Facebook possui mais de 600 milhões de
usuários no planeta, sendo difícil atingi-lo ou influenciá-lo. Assim, é por
isso que, para a jornalista, a manifestação contrária à sua política deva
acontecer dentro da rede social, sem que o Facebook perca um único usuário.
Para tanto, voltemos, então, ao título
da notícia: “Bebês Censurados”. Estaria ocorrendo, assim, censura nas redes
sociais? Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, da qual, entre outros
países, o Brasil e os Estados Unidos são signatários, o artigo XIX prescreve
que: “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito
inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e
transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de
fronteiras.”
Enuncia, no mesmo sentido, o artigo 5º
da Constituição Federeal de 1988 no incisos: IV – que a manifestação do
pensamento é livre, sendo proibido o anonimato; V - que o direito de resposta,
proporcional ao agravo, é assegurado, além da indenização por dano material,
moral ou à imagem; IX - que é livre a expressão de comunicação, independentemente
de censura ou licença.
Além disso, a primeira emenda da
Constituição norte-americana assegura o direito de liberdade de expressão de
forma ampla, ocorrendo limitações principalmente em casos como de segurança
nacional e a pornografia infantil.
Surge, então, a questão do delito em
tela, porque, como se sabe, há quadrilhas especializadas nesse crime, o que,
porém, não se compara com fotos inocentes de banhos e amamentações de bebês.
Porém, deve-se ressaltar que, algumas
vezes, o problema pode estar no olhar sobre as fotos — um pedófilo olharia
diferentemente para a foto da criança que, por exemplo, recebe um banho de seus
pais.
No contexto, então, fica certo que seria
preciso cobrar das redes explicações mais claras dos critérios utilizados para
a remoção arbitrária das fotos (seleção automática). Mas, além disso, talvez se
deva buscar compreender melhor os usos e costumes do povo de cada país, já que,
em alguns, certos atos não são vistos da mesma forma como em outros, em uma
simples constatação.
Claro que cenas
de sexo com menores é crime; mas, por outro lado, enquanto, em alguns países, o topless é permitido nas praias; em outros, a
burca deve cobrir o corpo inteiro da mulher quando sai pelas ruas. Há,
portanto, gradações nas condutas que são socialmente aceitas ou não de país
para país, como sabemos.
Assim, deve prevalecer o respeito e o
diálogo mútuo, para que não ocorra, da mesma forma, a perda da identidade de
cada povo nem mesmo a ofensa aos seus usos e costumes tanto no mundo real,
quanto no virtual (que do primeiro muito se aproxima).
O movimento do “mamaço”, com seu
potencial poder positivo de manifestação, é legítimo. Não há dúvidas quanto aos
motivos levantados em sua causa, mas não custaria lembrar que seria preciso
atentar para o respeito aos limites legais impostos pelo ordenamento jurídico,
não se devendo, assim, agir, principalmente, em contradição com a
razoabilidade.
Isso porque, agindo de modo razoável, de
acordo com os usos e costumes brasileiros, o Facebook não poderia questionar o
ato, pois, caso o fizesse, seria ferida, em certa medida, a identidade do povo
brasileiro. Além disso, a liberdade de expressão deve ser analisada combinada
com o ponto mencionado e, no caso em pauta, a limitação do referido direito
pelo fato de se poder considerar pornografia infantil os conteúdos mencionados
não deveria, assim, prevalecer.
Deve-se frisar, para tanto, que esta
análise deve ser considerada, principalmente, sob o ponto de vista do olhar que
incide sobre as fotos, uma vez que o modo que cada Estado lidaria com a questão
em termos legais variaria de acordo com seus usos e costumes, já que, enquanto
um País mais liberal talvez aceitasse sem problemas a exposição das fotos; um
mais conservador talvez não tivesse a mesma postura.
O artigo 6º da Constituição da República
Brasileira busca proteger o direito à saúde, sendo perfeitamente considerado
saudável que em nossa cultura alguns casais banhem seus filhos e queiram
compartilhar somente com pessoas próximas suas fotos em um álbum virtual, ou
mães amamentem seus bebês e queiram expor suas fotos em perfis de redes
sociais. Talvez, possamos, então, nos perguntar algo que não seria — e a
resposta bate pronto: justamente uma Terra de ninguém controlada, na verdade,
pelas leis de uma pequena oligarquia, com difícil abertura ao diálogo.
Finalmente, seria preciso, assim,
refletir, debater, para que, discutindo a questão, encontre-se o melhor
caminho. Enquanto isso, talvez realmente, uma ação organizada, planejada e
implementada por, acima de tudo, mães apaixonadas pelos seus bebês — frutos de
muitas alegrias e descobertas —, independentemente, de idade, etnia, condição
social ou profissão, em um caráter verdadeiramente democrático, possa ser um
bom começo.
---
Publicado originalmente no Consultor Jurídico (Conjur) - (link).
26 de maio de 2011.
Nenhum comentário:
Postar um comentário