ENSAIO
Limites de abrangência da
Teoria do Domínio do Fato
24/07/2014 por Nicholas Merlone
Publicado originalmente no Jornal Carta
Forense
Veja aqui.
A Teoria do Domínio do Fato
surgiu “em 1939, com o finalismo de Welzel e sua tese de que nos crimes dolosos é autor quem tem o controle
final do fato”. (cf. Cezar Roberto Bitencourt. Tratado de Direito Penal.
Parte Geral. Vol. I. 9ª. edição. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 439).
Posteriormente, foi trabalhada por Claus Roxin, que desenvolveu o seu
entendimento. Foi utilizada no julgamento dos crimes nazistas, na Alemanha, pós
Segunda Guerra Mundial; na Argentina, para condenar o alto comando da ditadura
militar; no Peru, contra o ex-presidente Fujimori, por crimes de corrupção e
sequestro; sendo também admitida no Tribunal Penal Internacional. No Brasil,
ganhou notoriedade com o julgamento da Ação Penal 470, conhecida como o
Mensalão do Partido dos Trabalhadores (PT), porém vem sendo aplicada nos
julgados contra mandantes de crimes que envolvam desde menores infratores até
delitos empresariais e de corrupção, podendo talvez ser até aplicada na recente
operação “lava-jato”, em meio ao processo eleitoral.
Diversos juristas já se
manifestaram sobre a aplicação desta teoria em casos brasileiros. Lenio Streck,
de um lado, já alertava para a possível banalização de seu uso e o entendimento
inadequado de seu alcance, citando inclusive a aula de uma professora de
cursinho para preparação de concursos públicos, que formará juízes, promotores
etc. Ives Gandra Martins, por outro lado, argumentou no sentido da errônea
presunção de provas que pode gerar. O próprio Claus Roxin defendeu que a teoria
aqui no Brasil foi veiculada sob publicidade excessiva e sem comprovação dos
fatos (em entrevista à Folha de S. Paulo – 11/11/2012).
“A teoria do domínio do fato
tem as seguintes consequências: 1ª.) a realização pessoal e plenamente
responsável de todos os elementos do tipo fundamentam sempre a autoria; 2ª.) é
autor quem executa o fato utilizando a outrem como instrumento (autoria
mediata); 3ª.) é autor o co-autor que realiza uma parte necessária do plano
global (“domínio funcional do fato”), embora não seja um ato típico, desde que
integre a resolução delitiva comum.” Além disso, a teoria limita-se aos crimes
dolosos. (cf. Cezar Roberto Bitencourt. Tratado de Direito Penal. Parte Geral.
Vol. I. 9ª. edição. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 440)
O que pretendo neste curto
espaço delinear, diante destes apontamentos, são, portanto, os limites de
abrangência da Teoria do Dominío do Fato. Como podemos perceber, após o
julgamento do Mensalão do PT, pela primeira vez utilizada, os tribunais vêm
amplamente recorrendo a esta teoria para diversos julgados.
Aquilo que os juristas previam,
de fato vem acontecendo: a sua banalização e uso inadequado. Isto, além de
gerar insegurança jurídica, ocasiona igualmente uma afronta não só ao devido
processo legal, com todas as suas garantias, como o contraditório e a ampla
defesa, como também ao próprio Estado Democrático de Direito, minando seus
alicerces.
Enquanto isso, os direitos
humanos são o fim último do ordenamento jurídico. São o cerne da Democracia e
fundamento basilar do Estado de Direito. São eles que corporificam os valores
morais, espirituais e físicos do ser humano, devendo, pois, ser assegurados.
Desta feita, acredito que
somente os crimes que atentam contra esses direitos é que devam ser abrangidos
pela dita teoria. Assim, crimes graves como o genocídio, contra a humanidade,
de agressão e de guerra, todos de competência do Tribunal Penal Internacional
permitiriam a aplicação da teoria em comento, conforme previsto no Estatuto de
Roma, que o institui. Como exemplo desses crimes, temos os cometidos por
Slobodan Milosevic, ex-presidente da Sérvia/Iuguslávia, na Bósnia (1992-1995),
Croácia (1991-1992) e em Kosovo (1999).
Interessante observar que,
nessa época, em meio à crise de Kosovo, o ex-presidente da Rússia, Boris
Yeltsin, declinava no poder, por se isolar em relação aos demais políticos do
país, que queriam uma intervenção da Organização do Tratado do Atlântico Norte
(OTAN), na Sérvia, o que permitiu a ascensão ao poder de Vladimir Putin.
(Stratfor. A Chronology of Russia from Yeltsin's Fall Through Putin's Rise.
Analysis. July 2014.)
Por fim, no âmbito da
jurisdição brasileira, isso ocorreria somente em casos extremos, quando se
verificar a violação desses direitos, como em se tratando de trabalho escravo,
em condições insalubres e aviltantes, ou ainda, como exemplo, ações de grupos
de extermínio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário