sábado, 30 de abril de 2016

CARTA FORENSE: Limites de abrangência da Teoria do Domínio do Fato

ENSAIO

Limites de abrangência da Teoria do Domínio do Fato

24/07/2014 por Nicholas Merlone

Publicado originalmente no Jornal Carta Forense
Veja aqui.

A Teoria do Domínio do Fato surgiu “em 1939, com o finalismo de Welzel e sua tese de que nos crimes dolosos é autor quem tem o controle final do fato”. (cf. Cezar Roberto Bitencourt. Tratado de Direito Penal. Parte Geral. Vol. I. 9ª. edição. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 439). Posteriormente, foi trabalhada por Claus Roxin, que desenvolveu o seu entendimento. Foi utilizada no julgamento dos crimes nazistas, na Alemanha, pós Segunda Guerra Mundial; na Argentina, para condenar o alto comando da ditadura militar; no Peru, contra o ex-presidente Fujimori, por crimes de corrupção e sequestro; sendo também admitida no Tribunal Penal Internacional. No Brasil, ganhou notoriedade com o julgamento da Ação Penal 470, conhecida como o Mensalão do Partido dos Trabalhadores (PT), porém vem sendo aplicada nos julgados contra mandantes de crimes que envolvam desde menores infratores até delitos empresariais e de corrupção, podendo talvez ser até aplicada na recente operação “lava-jato”, em meio ao processo eleitoral.

Diversos juristas já se manifestaram sobre a aplicação desta teoria em casos brasileiros. Lenio Streck, de um lado, já alertava para a possível banalização de seu uso e o entendimento inadequado de seu alcance, citando inclusive a aula de uma professora de cursinho para preparação de concursos públicos, que formará juízes, promotores etc. Ives Gandra Martins, por outro lado, argumentou no sentido da errônea presunção de provas que pode gerar. O próprio Claus Roxin defendeu que a teoria aqui no Brasil foi veiculada sob publicidade excessiva e sem comprovação dos fatos (em entrevista à Folha de S. Paulo – 11/11/2012).

“A teoria do domínio do fato tem as seguintes consequências: 1ª.) a realização pessoal e plenamente responsável de todos os elementos do tipo fundamentam sempre a autoria; 2ª.) é autor quem executa o fato utilizando a outrem como instrumento (autoria mediata); 3ª.) é autor o co-autor que realiza uma parte necessária do plano global (“domínio funcional do fato”), embora não seja um ato típico, desde que integre a resolução delitiva comum.” Além disso, a teoria limita-se aos crimes dolosos. (cf. Cezar Roberto Bitencourt. Tratado de Direito Penal. Parte Geral. Vol. I. 9ª. edição. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 440)

O que pretendo neste curto espaço delinear, diante destes apontamentos, são, portanto, os limites de abrangência da Teoria do Dominío do Fato. Como podemos perceber, após o julgamento do Mensalão do PT, pela primeira vez utilizada, os tribunais vêm amplamente recorrendo a esta teoria para diversos julgados.

Aquilo que os juristas previam, de fato vem acontecendo: a sua banalização e uso inadequado. Isto, além de gerar insegurança jurídica, ocasiona igualmente uma afronta não só ao devido processo legal, com todas as suas garantias, como o contraditório e a ampla defesa, como também ao próprio Estado Democrático de Direito, minando seus alicerces.

Enquanto isso, os direitos humanos são o fim último do ordenamento jurídico. São o cerne da Democracia e fundamento basilar do Estado de Direito. São eles que corporificam os valores morais, espirituais e físicos do ser humano, devendo, pois, ser assegurados.

Desta feita, acredito que somente os crimes que atentam contra esses direitos é que devam ser abrangidos pela dita teoria. Assim, crimes graves como o genocídio, contra a humanidade, de agressão e de guerra, todos de competência do Tribunal Penal Internacional permitiriam a aplicação da teoria em comento, conforme previsto no Estatuto de Roma, que o institui. Como exemplo desses crimes, temos os cometidos por Slobodan Milosevic, ex-presidente da Sérvia/Iuguslávia, na Bósnia (1992-1995), Croácia (1991-1992) e em Kosovo (1999).

Interessante observar que, nessa época, em meio à crise de Kosovo, o ex-presidente da Rússia, Boris Yeltsin, declinava no poder, por se isolar em relação aos demais políticos do país, que queriam uma intervenção da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), na Sérvia, o que permitiu a ascensão ao poder de Vladimir Putin. (Stratfor. A Chronology of Russia from Yeltsin's Fall Through Putin's Rise. Analysis. July 2014.)

Por fim, no âmbito da jurisdição brasileira, isso ocorreria somente em casos extremos, quando se verificar a violação desses direitos, como em se tratando de trabalho escravo, em condições insalubres e aviltantes, ou ainda, como exemplo, ações de grupos de extermínio.


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