quarta-feira, 25 de maio de 2016

Preconceitos contra origem, raça e cor sob investigação


Por Nicholas Merlone

Publicado originalmente no Jornal Estado de Direito na Coluna Direito Constitucional em Debate (link)


“Negro é gente e não tem que andar diferente dos outros... ‘Ser gente’ só pode significar ‘ser igual ao branco’ e para isso é preciso ‘proceder como o branco’, lançando-se ativamente na competição ocupacional” (Florestan Fernandes)

Como nosso primeiro artigo na coluna Direito Constitucional em Debate, no Jornal Estado de Direito, investigaremos aqui, com exclusividade, os preconceitos contra origem, raça e cor.
Pois bem, os crimes de preconceito cometidos contra negros ocorrem em diversos ambientes. Nas partidas de futebol, da torcida contra jogadores negros na Europa / Ásia, onde são chamados de “macacos” ou atingidos com bananas; na rua ou pela Internet – onde neste último caso acreditam se tratar de “terra sem lei”: porém, enganam-se quanto a isto - contra artistas negros da televisão; ou mesmo contra negros no dia-a-dia em certas situações ou até no local de trabalho, haja vista babás, domésticas e faxineiras, ou ainda, profissionais liberais de destaque, que, apesar de sua formação, minorias da pirâmide social, sofrem igualmente preconceitos raciais em escritórios, empresas e órgãos públicos.
“A violência letal no país é um tema que deveria ser prioritário para as políticas públicas. Apenas em 2014, segundo os registros do Ministério da Saúde, 59.627 pessoas sofreram homicídio no Brasil. A compreensão do fenômeno e de suas causas, bem como o acompanhamento das dinâmicas em suas diversas faces e a mobilização para a mitigação do problema são tarefas contínuas, que devem envolver não apenas autoridades, mas toda a sociedade civil.
“A incidência do fenômeno dos homicídios ocorre de maneira heterogênea no país não apenas no que diz respeito à dimensão territorial e temporal, mas no que se refere às características socioeconômicas das vítimas. Pelas informações disponíveis, a partir de 2008 parece que se alcançou um novo patamar no número de mortes, que tem evoluído de maneira bastante desigual nas unidades federativas e microrregiões do país, atingindo crescentemente os moradores de cidades menores no interior do país e no Nordeste, sendo as principais vítimas jovens e negros.” (grifo nosso) / (Atlas da Violência 2016 – IPEA).
50,7% dos brasileiros são negros. Apenas 18% dos cargos ocupados no Judiciário, Política, Academia e Artes são preenchidos por negros. Nos bancos das universidades, não diferentemente, raros são os negros que os ocupam. (Folha de S. Paulo).
O guardião do Diploma Máximo (Lei Cidadã), isto é, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), considerou constitucional a política de cotas étnico-raciais para seleção de estudantes da Universidade de Brasília (UnB), em 2012.
Quanto a isto, vale registrar que políticas públicas dessa natureza devem ter caráter temporário, ou seja, que perdurem somente até as desigualdades históricas desaparecerem, ou, ao menos, atenuem-se consideravelmente.
 “O texto constitucional, que proíbe preconceito de origem, cor e raça e condena discriminações com base nesses fatores, consubstancia, antes de tudo, um repúdio à barbárie de tipo nazista que vitimara milhões de pessoas, e consagra a condenação do apartheid, por parte de um povo mestiço, com razoável contingente de negros. O repúdio ao racismo nas relações internacionais foi, também, expressamente estabelecido (art. 4º., VIII).
“Nele se encontra, também, o reconhecimento de que o preconceito de origem, raça e cor especialmente contra os negros não está ausente das relações sociais brasileiras. Disfarçadamente ou, não raro, ostensivamente, pessoas negras sofrem discriminação até mesmo nas relações com entidades públicas. [...]” (cf. José Afonso da Silva).
Sob outra óptica, em complemento, “Pode-se compreender o racismo pela internalização de imagem desfavorável de si mesmo.” (cf. Konstantin Gerber).
Realmente, a questão envolve tanto elementos externos, como, propriamente dito pelo autor, internos.
Nesse sentido, Florestan Fernandes, com relação à carência e marginalização do negro, remonta à “escravidão interna”, de dentro do homem, que o impede de atuar positivamente na sociedade. Além disso, indica o preconceito de cor, que leva aos “resíduos” do passado, que se estendem negativamente até hoje na mente das pessoas.
Historicamente, vale destacar o Bill Aberdeen, segundo o qual firmou-se que a Marinha Inglesa (Royal Navy) estava habilitada a afundar navios do tráfico negreiro. Com efeito, foi um dos mais marcantes momentos na História com o objetivo de findar a escravidão dos negros. (cf. NORONHA; MATHIAS; MARCOS).
No âmbito internacional, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, em seu artigo 6º., proíbe a escravidão. “A vedação ao tráfico de escravos está embutida na própria vedação da escravidão, uma vez que proibida a exploração de trabalho exaustivo de um ser humano como propriedade do outro, está também proibida a comercialização desta vida humana, como um produto que se compra em um supermercado ou algo do gênero.” (cf. Erival Oliveira; Gustavo Goldzveig).
No plano legislativo, destaca-se a Lei Federal n. 7.716/1989, sobre os crimes resultantes do preconceito de raça e cor. E dispositivos do Código Penal como o art. 140 (injúria racial).
No que pertine à política governamental, “Ao fazer um balanço do atual Governo, [Eunice] Prudente, que como pesquisadora tem tratado de temas referentes as desigualdades raciais, relações étnicorraciais e o negro na ordem jurídica brasileira, entre outros, garante que tem muito respeito pelo fato de ter sido Dilma, a primeira mulher a se eleger Presidente da República, porém, considera que seu Governo deixou a desejar em muitos aspectos. ‘Há questões gravíssimas que precisam ser enfrentadas e eu não tenho observado que estejam sendo no Governo Dilma’, conclui.” (AfroPress).
Christiano Jorge Santos, assim, sintetiza: “Educação é a base de tudo. As investigações criminais, as punições e até as prisões são importantes para demonstrar a todos que os autores de crimes não ficam (totalmente) impunes. Ou seja, a criminalização e a atitude repressora do Estado pode inibir boa parte das ações racistas/preconceituosas, mas, por si,  não darão conta de impedir os delitos. As punições podem calar ou tornar inertes os racistas que ficam com medo (o que também é importante), mas não mudarão suas ideias. A educação, ao contrário, pode transformar ideias e formar mentalidades tolerantes. É mais que necessário o respeito às diferenças, sejam elas raciais, de classe social, religiosas, de orientação sexual etc.” (AfroPress)

Finalmente, é preciso jogar água no moinho das políticas públicas e agir em prol do negro, com medidas favoráveis à sua autodeterminação e desenvolvimento personalíssimo, dentro da sociedade, a partir da mudança que se inicia em seu interior e das outras pessoas que com ele convive, para atingir a harmonia na vida social.

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