Por Nicholas Merlone
Publicado originalmente no Jornal Estado de Direito na Coluna Direito Constitucional em Debate (
link)
“Negro é gente e não
tem que andar diferente dos outros... ‘Ser gente’ só pode significar ‘ser igual
ao branco’ e para isso é preciso ‘proceder como o branco’, lançando-se
ativamente na competição ocupacional” (Florestan Fernandes)
Como nosso primeiro artigo na coluna Direito Constitucional em Debate, no Jornal Estado de Direito, investigaremos aqui, com exclusividade, os
preconceitos contra origem, raça e cor.
Pois bem, os crimes de preconceito
cometidos contra negros ocorrem em diversos ambientes. Nas partidas de futebol,
da torcida contra jogadores negros na Europa / Ásia, onde são chamados de
“macacos” ou atingidos com bananas; na rua ou pela Internet – onde neste último
caso acreditam se tratar de “terra sem lei”: porém, enganam-se quanto a isto -
contra artistas negros da televisão; ou mesmo contra negros no dia-a-dia em
certas situações ou até no local de trabalho, haja vista babás, domésticas e
faxineiras, ou ainda, profissionais liberais de destaque, que, apesar de sua
formação, minorias da pirâmide social, sofrem igualmente preconceitos raciais
em escritórios, empresas e órgãos públicos.
“A violência letal no país é
um tema que deveria ser prioritário para as políticas públicas. Apenas em 2014,
segundo os registros do Ministério da Saúde, 59.627 pessoas sofreram homicídio
no Brasil. A compreensão do fenômeno e de suas causas, bem como o
acompanhamento das dinâmicas em suas diversas faces e a mobilização para a mitigação
do problema são tarefas contínuas, que devem envolver não apenas autoridades,
mas toda a sociedade civil.
“A incidência do fenômeno
dos homicídios ocorre de maneira heterogênea no país não apenas no que diz
respeito à dimensão territorial e temporal, mas no que se refere às
características socioeconômicas das vítimas. Pelas informações disponíveis, a
partir de 2008 parece que se alcançou um novo patamar no número de mortes, que
tem evoluído de maneira bastante desigual nas unidades federativas e microrregiões
do país, atingindo crescentemente os moradores de cidades menores no interior
do país e no Nordeste, sendo as
principais vítimas jovens e negros.” (grifo nosso) / (Atlas da Violência
2016 – IPEA).
50,7% dos brasileiros são negros. Apenas
18% dos cargos ocupados no Judiciário, Política, Academia e Artes são preenchidos
por negros. Nos bancos das universidades, não diferentemente, raros são os
negros que os ocupam. (Folha de S. Paulo).
O guardião do Diploma Máximo (Lei
Cidadã), isto é, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), considerou
constitucional a política de cotas étnico-raciais para seleção de estudantes da
Universidade de Brasília (UnB), em 2012.
Quanto a isto, vale registrar que
políticas públicas dessa natureza devem ter caráter temporário, ou seja, que
perdurem somente até as desigualdades históricas desaparecerem, ou, ao menos,
atenuem-se consideravelmente.
“O texto constitucional, que proíbe
preconceito de origem, cor e raça e condena discriminações com base nesses fatores, consubstancia,
antes de tudo, um repúdio à barbárie de tipo nazista que vitimara milhões de
pessoas, e consagra a condenação do apartheid,
por parte de um povo mestiço, com razoável contingente de negros. O repúdio ao
racismo nas relações internacionais foi, também, expressamente estabelecido
(art. 4º., VIII).
“Nele se encontra, também, o
reconhecimento de que o preconceito de origem, raça e cor especialmente contra
os negros não está ausente das relações sociais brasileiras. Disfarçadamente
ou, não raro, ostensivamente, pessoas negras sofrem discriminação até mesmo nas
relações com entidades públicas. [...]” (cf. José Afonso da Silva).
Sob outra óptica, em complemento, “Pode-se
compreender o racismo pela internalização de imagem desfavorável de si mesmo.”
(cf. Konstantin Gerber).
Realmente, a questão envolve tanto
elementos externos, como, propriamente dito pelo autor, internos.
Nesse sentido, Florestan Fernandes,
com relação à carência e marginalização do negro, remonta à “escravidão
interna”, de dentro do homem, que o impede de atuar positivamente na sociedade.
Além disso, indica o preconceito de cor, que leva aos “resíduos” do passado,
que se estendem negativamente até hoje na mente das pessoas.
Historicamente, vale destacar o Bill Aberdeen, segundo o qual firmou-se
que a Marinha Inglesa (Royal Navy)
estava habilitada a afundar navios do tráfico negreiro. Com efeito, foi um dos
mais marcantes momentos na História com o objetivo de findar a escravidão dos
negros. (cf. NORONHA; MATHIAS; MARCOS).
No âmbito internacional, a Corte
Interamericana de Direitos Humanos, em seu artigo 6º., proíbe a escravidão. “A
vedação ao tráfico de escravos está embutida na própria vedação da escravidão,
uma vez que proibida a exploração de trabalho exaustivo de um ser humano como propriedade
do outro, está também proibida a comercialização desta vida humana, como um
produto que se compra em um supermercado ou algo do gênero.” (cf. Erival
Oliveira; Gustavo Goldzveig).
No plano legislativo, destaca-se a Lei
Federal n. 7.716/1989, sobre os crimes resultantes do preconceito de raça e
cor. E dispositivos do Código Penal como o art. 140 (injúria racial).
No que pertine à política
governamental, “Ao fazer um balanço do atual Governo, [Eunice] Prudente, que
como pesquisadora tem tratado de temas referentes as desigualdades raciais,
relações étnicorraciais e o negro na ordem jurídica brasileira, entre outros,
garante que tem muito respeito pelo fato de ter sido Dilma, a primeira mulher a
se eleger Presidente da República, porém, considera que seu Governo deixou a
desejar em muitos aspectos. ‘Há questões gravíssimas que precisam ser
enfrentadas e eu não tenho observado que estejam sendo no Governo Dilma’,
conclui.” (AfroPress).
Christiano Jorge Santos, assim,
sintetiza: “Educação é a base de tudo. As investigações criminais, as punições
e até as prisões são importantes para demonstrar a todos que os autores de
crimes não ficam (totalmente) impunes. Ou seja, a criminalização e a atitude
repressora do Estado pode inibir boa parte das ações racistas/preconceituosas,
mas, por si, não darão conta de impedir os delitos. As punições podem
calar ou tornar inertes os racistas que ficam com medo (o que também é
importante), mas não mudarão suas ideias. A educação, ao contrário, pode transformar
ideias e formar mentalidades tolerantes. É mais que necessário o respeito às
diferenças, sejam elas raciais, de classe social, religiosas, de orientação
sexual etc.” (AfroPress)
Finalmente, é preciso jogar água no
moinho das políticas públicas e agir em prol do negro, com medidas favoráveis à
sua autodeterminação e desenvolvimento personalíssimo, dentro da sociedade, a
partir da mudança que se inicia em seu interior e das outras pessoas que com
ele convive, para atingir a harmonia na vida social.